Desenho: Darel
Nunca
pude saber o verdadeiro motivo que teria induzido um homem
aparentemente tão sensato como o falecido general Krakhótkin a se
casar com uma viúva de quarenta e dois anos. É de se imaginar que
ele suspeitasse que ela tinha dinheiro. Outros achavam que ele
simplesmente precisava de uma babá, pressentindo já então todo
aquele enxame de doenças que o acometeria mais tarde, na velhice. Só
se sabe que o general teve um profundo desrespeito por sua esposa
durante todo o tempo de sua convivência com ela, de quem ria
mordazmente a cada oportunidade. Era um homem estranho. Pouco
instruído, mas bastante inteligente, decididamente desprezava a
todos, não respeitava regra alguma, ria de tudo e de todos; e com a
velhice e as doenças — consequência de sua vida não de todo
regrada e justa — tornou-se mau, irritadiço e impiedoso. Servira
com êxito; fora no entanto forçado, por um certo “acontecimento
desagradável”, a reformar-se de uma maneira bastante ruim,
esquivando-se por pouco da corte marcial e perdendo sua pensão. Isso
o enraiveceu definitivamente. Quase sem quaisquer meios, possuindo
uma centena de almas arruinadas, ele cruzou os braços e, pelo resto
de sua vida, doze anos ao todo, jamais se indagou com que meios
vivia, quem o sustentava; mas, enquanto isso, exigia todas as
comodidades da vida, não cortava as despesas, mantinha uma
carruagem. Logo perdeu o uso das pernas, e seus últimos dez anos
passou sentado numa cadeira de rodas, empurrada, quando necessário,
por dois criados gigantescos, que nunca ouviam nada dele além das
mais diversas injúrias. A carruagem, a criadagem e a cadeira eram
sustentadas pelo filho desrespeitoso, que enviava à mãe seus
últimos recursos, que fazia hipoteca em cima de hipoteca de sua
propriedade, que abria mão das coisas mais imprescindíveis para si,
que contraía dívidas quase impossíveis de serem pagas com seu
patrimônio de então; e, mesmo assim, a alcunha de egoísta e de
filho ingrato não deixou jamais de acompanhá-lo. Mas o caráter do
titio era tal, que ele mesmo finalmente acreditou ser um egoísta, e
por isso, em punição a si mesmo e para não ser um egoísta,
mandava cada vez mais dinheiro. A generala venerava seu marido.
Porém, agradava-lhe sobretudo o fato de que ele era general, e que
ela, por conta disso, era uma generala.
Ela
tinha sua metade da casa, onde, durante todo o período de
semiexistência de seu marido, brilhara na companhia de agregadas,
mexeriqueiras da cidade e totós. Em sua cidadezinha, ela era uma
importante personalidade. As fofocas, os convites para que fosse
madrinha em batizados e casamentos, para jogos de préférence
valendo copeques e o respeito geral por sua posição de generala
recompensavam-na inteiramente pelas limitações do lar. Os tagarelas
da cidade vinham até ela com relatórios; davam-lhe sempre e em toda
parte o melhor lugar: em suma, ela tirava de sua posição de
generala tudo que podia tirar. O general não se intrometia em nada
disso; mas, em compensação, ria da esposa na frente das pessoas sem
nenhum pudor; por exemplo, fazia para si mesmo perguntas como: por
que se casara com “essa beata?”, e ninguém ousava contrariá-lo.
Pouco a pouco, todos os conhecidos o abandonaram; e no entanto ele
necessitava de companhia: adorava prosear, discutir, adorava ter
sempre diante de si um ouvinte. Era um livre-pensador e um ateu à
moda antiga, e por isso adorava discorrer também sobre a alta
filosofia.
Mas
os ouvintes da cidadezinha de N. não apreciavam a alta filosofia e
apareciam cada vez menos. Tentaram organizar uma mesa doméstica de
uíste-préférence; mas o jogo terminava geralmente em tamanhos
acessos do general, que a generala e suas agregadas, horrorizadas,
acendiam velas, encomendavam missas, adivinhavam o futuro em folhas
de chá ou em cartas, distribuíam pãezinhos de trigo na prisão e
esperavam aterrorizadas o momento da tarde em que novamente teriam
que organizar o jogo de uíste-préférence e, a cada erro, levar
gritos, ganidos, xingamentos e escapar por pouco de uma surra. O
general, quando algo o desagradava, não se constrangia diante de
ninguém: berrava como uma mulherzinha, praguejava como um cocheiro,
e às vezes, depois de rasgar e espalhar as cartas pelo chão e de
enxotar seus parceiros, chegava a chorar de irritação e de raiva, e
tudo por conta de algum valete que haviam jogado no lugar de um nove.
Fiodor
Dostoievski, in A aldeia de Stiepantchikov e seus habitantes
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