quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Um homem estranho

Desenho: Darel

Nunca pude saber o verdadeiro motivo que teria induzido um homem aparentemente tão sensato como o falecido general Krakhótkin a se casar com uma viúva de quarenta e dois anos. É de se imaginar que ele suspeitasse que ela tinha dinheiro. Outros achavam que ele simplesmente precisava de uma babá, pressentindo já então todo aquele enxame de doenças que o acometeria mais tarde, na velhice. Só se sabe que o general teve um profundo desrespeito por sua esposa durante todo o tempo de sua convivência com ela, de quem ria mordazmente a cada oportunidade. Era um homem estranho. Pouco instruído, mas bastante inteligente, decididamente desprezava a todos, não respeitava regra alguma, ria de tudo e de todos; e com a velhice e as doenças — consequência de sua vida não de todo regrada e justa — tornou-se mau, irritadiço e impiedoso. Servira com êxito; fora no entanto forçado, por um certo “acontecimento desagradável”, a reformar-se de uma maneira bastante ruim, esquivando-se por pouco da corte marcial e perdendo sua pensão. Isso o enraiveceu definitivamente. Quase sem quaisquer meios, possuindo uma centena de almas arruinadas, ele cruzou os braços e, pelo resto de sua vida, doze anos ao todo, jamais se indagou com que meios vivia, quem o sustentava; mas, enquanto isso, exigia todas as comodidades da vida, não cortava as despesas, mantinha uma carruagem. Logo perdeu o uso das pernas, e seus últimos dez anos passou sentado numa cadeira de rodas, empurrada, quando necessário, por dois criados gigantescos, que nunca ouviam nada dele além das mais diversas injúrias. A carruagem, a criadagem e a cadeira eram sustentadas pelo filho desrespeitoso, que enviava à mãe seus últimos recursos, que fazia hipoteca em cima de hipoteca de sua propriedade, que abria mão das coisas mais imprescindíveis para si, que contraía dívidas quase impossíveis de serem pagas com seu patrimônio de então; e, mesmo assim, a alcunha de egoísta e de filho ingrato não deixou jamais de acompanhá-lo. Mas o caráter do titio era tal, que ele mesmo finalmente acreditou ser um egoísta, e por isso, em punição a si mesmo e para não ser um egoísta, mandava cada vez mais dinheiro. A generala venerava seu marido. Porém, agradava-lhe sobretudo o fato de que ele era general, e que ela, por conta disso, era uma generala.
Ela tinha sua metade da casa, onde, durante todo o período de semiexistência de seu marido, brilhara na companhia de agregadas, mexeriqueiras da cidade e totós. Em sua cidadezinha, ela era uma importante personalidade. As fofocas, os convites para que fosse madrinha em batizados e casamentos, para jogos de préférence valendo copeques e o respeito geral por sua posição de generala recompensavam-na inteiramente pelas limitações do lar. Os tagarelas da cidade vinham até ela com relatórios; davam-lhe sempre e em toda parte o melhor lugar: em suma, ela tirava de sua posição de generala tudo que podia tirar. O general não se intrometia em nada disso; mas, em compensação, ria da esposa na frente das pessoas sem nenhum pudor; por exemplo, fazia para si mesmo perguntas como: por que se casara com “essa beata?”, e ninguém ousava contrariá-lo. Pouco a pouco, todos os conhecidos o abandonaram; e no entanto ele necessitava de companhia: adorava prosear, discutir, adorava ter sempre diante de si um ouvinte. Era um livre-pensador e um ateu à moda antiga, e por isso adorava discorrer também sobre a alta filosofia.
Mas os ouvintes da cidadezinha de N. não apreciavam a alta filosofia e apareciam cada vez menos. Tentaram organizar uma mesa doméstica de uíste-préférence; mas o jogo terminava geralmente em tamanhos acessos do general, que a generala e suas agregadas, horrorizadas, acendiam velas, encomendavam missas, adivinhavam o futuro em folhas de chá ou em cartas, distribuíam pãezinhos de trigo na prisão e esperavam aterrorizadas o momento da tarde em que novamente teriam que organizar o jogo de uíste-préférence e, a cada erro, levar gritos, ganidos, xingamentos e escapar por pouco de uma surra. O general, quando algo o desagradava, não se constrangia diante de ninguém: berrava como uma mulherzinha, praguejava como um cocheiro, e às vezes, depois de rasgar e espalhar as cartas pelo chão e de enxotar seus parceiros, chegava a chorar de irritação e de raiva, e tudo por conta de algum valete que haviam jogado no lugar de um nove.
Fiodor Dostoievski, in A aldeia de Stiepantchikov e seus habitantes

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