45.
Viver uma vida desapaixonada e culta,
ao relento das ideias, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma
vida suficientemente lenta para estar sempre à beira do tédio,
bastante meditada para se nunca encontrar nele. Viver essa vida longe
das emoções e dos pensamentos, só no pensamento das emoções e na
emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, douradamente, como um lago
obscuro rodeado de flores. Ter, na sombra, aquela fidalguia da
individualidade que consiste em não insistir para nada com a vida.
Ser no volteio dos mundos como uma poeira de flores, que um vento
incógnito ergue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa
baixar no lugar de acaso, indistinta entre coisas maiores. Ser isto
com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconhecido ao sol
do seu brilho e às estrelas do seu afastamento. Não ser mais, não
ter mais, não querer mais... A música do faminto, a canção do
cego, a relíquia do viandante incógnito, as passadas no deserto do
camelo vazio sem destino…
Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego
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