O analista de Bagé sustenta que não
existe gaúcho homossexual, embora, como diz, “quem não nasceu em
Bagé ta se arriscando”. O que existe, segundo o analista, “é
quem não sabe se vai ou não vai, como cavalo xucro pra cruz-sanga”.
Estes precisam de um “empurrãozito, no más”, na direção
certa. Foi o caso do compadre Clarindo.
Pois contam que quando o analista de
Bagé estava recém-formado foi chamado para atender um paciente numa
estância. Como era freudia no de dormir com o regulamento, sugeriu
que levassem o vivente ao seu consultório. Mas nest e caso – disse
o peão que levou o recado – não seria possível. O paciente não
podia saber que ia ser atendido.
Na charrete para a estância, o peão
deu mais algumas informações sobre o caso.
– É o compadre Clarindo...
– O que tem?
– Pues não é que deu pra se vestir
de prenda?
Na estância, o analista de Bagé foi
apresentado pros de casa e pros de perto, seis homens e cinco gurias,
e depois perguntou:
– E o compadre Clarindo?
– Tu acaba de cumprimentar...
Era uma das gurias. O analista de Bagé
bem que tinha estranhado os bigodes.
Foi conversar com o dono da estância
e o capataz. Os dois elogia ram muito o compadre Clarindo, índio
louco de especial, gaúcho tipo exportação, mas que tinha dado para
aquelas coisas. Ninguém queria falar nada pra não melindrar o moço.
Podia achar até que estavam pensando que ele era veado. Naquela
noite, houve uma churrasqueada e um ba ile pro doutor e foi depois de
dançar uma marca com o compadre Clarindo que o analista de Bagé
convidou:
– Vamos até lá fora, tchê?
Conversaram muito embaixo da figueira
e teve uma hora em que os dois desapareceram nuns matos. Quando
voltaram, o compadre Clarindo fo i correndo trocar a roupa de prenda
pelas bombachas. O analista de Bagé foi cercado. Como conseguira o
milagre?
– Bueno. Charlamos um pouco. Ele me
contou que achava roupa de prenda mui lindo e que seu sonho era usar
tranças, tchê. Daí eu disse: “Tem que aguentar a outra parte.”
Aí ele perguntou: “Que outra parte?” Fomos até o mato e eu
expus meu argumento... Aí ele saiu correndo.
– Deve ser um argumento e tanto.
– Modéstia à parte.
Hoje o compadre Clarindo está aí,
emprenhando at é china de fiscal de Receita.
Ainda tem uns hábitos meio estranhos,
é verdade. Mas as tranças loiras até que combinam com o bigode
preto.
Luís Fernando Veríssimo, em O Analista de Bagé

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