9.
Ah,
compreendo! O patrão Vasques é a Vida. A Vida, monótona e
necessária, mandante e desconhecida. Este homem banal representa a
banalidade da Vida. Ele é tudo para mim, por fora, porque a Vida é
tudo para mim por fora. E, se o escritório da Rua dos Douradores
representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na
mesma Rua dos Douradores, representa para mim a Arte. Sim, a Arte,
que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte
que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a
mesma vida, mas só em lugar diferente. Sim, esta Rua dos Douradores
compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos
os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter
solução.
Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego
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