domingo, 4 de agosto de 2024

Tamam Shod

Ontem chegamos de Teerã. Quinhentos quilômetros de areais, povoados mortos, postos de caravanas em ruínas, as formas caprichosas da meseta iraniana. Estávamos cansados e, excitados. Um banho e um bom chá no Shah Abban, e saímos a caminhar.. Jardins, avenidas, cúpulas, minaretes. Em Isfahan a noite é feérica, o céu é perfeito.
Quando regressamos ao hotel, extenuados e felizes, conversamos até que o sono nos venceu.
Sonhei que no centro da prodigiosa cúpula da mesquita Lutfullah estava escondido um rubi de virtudes mágicas. O judicioso que pára justamente debaixo dele, guarda silêncio e prende a respiração, recebe a visão de um tesouro, assim como a indicação do lugar onde ele se encontra. Sua existência não pode ser definida nem se deve tentar sua posse, pois quem ousar se transforma em madeira, a madeira em nuvem, a nuvem em pedra e a pedra se quebra em mil pedaços. O rubi proporciona deleite ou assombro, mas não autoriza o enriquecimento.
De manha voltamos a Meidan e Shah. Visitamos o palácio Ali Qapu desde seus últimos corredores até a sala de música.
Surpreenderam-me as escadarias com degraus demasiadamente altos e incrivelmente estreitos. Alguém explicou que era para impedir o acesso aos cavalos inimigos.
Enquanto Melania se demorava no terraço que dá para a antiga quadra de pólo (a mais bela praça do mundo), não resisti mais. Cruzei até a Lutfullah, coloquei-me bem debaixo do conjunto da cúpula, fiquei em silêncio e contive a respiração. Uma luz ocre peneirava todos os matizes. Subitamente— meu Deus! — O tesouro era surpreendente, de inúmeras riquezas, perto, fácil de obter, entre as ruínas de um dos antigos mirantes ou pombais, ou casas de prazer fora da cidade. A visão me foi concedida em um segundo interminável de vertiginoso esplendor.
Regressei a Ali Qapu. Percorremos a mesquita das Sextas-Feiras, cruzamos a velha ponte de trinta e tantos arcos...
Terminarei estas notas ou me pulverizarei na pedra?

Roy Bartholomew, em Livro de Sonhos, de Jorge Luís Borges

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