quarta-feira, 29 de março de 2023

Cartas na Rua | UM


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Quando Jonstone me viu chegar às cinco da manhã seguinte, girou em sua cadeira e sua cara e sua camisa ficaram da mesma cor. Mas não disse nada. Não dei a mínima. Eu tinha ficado até as duas bebendo e trepando com Betty. Inclinei-me para trás e fechei os olhos.
Às sete Jonstone deu mais um giro. Todos os outros substitutos tinham recebido serviço ou sido mandados a outros postos que precisavam de ajuda.
Isso é tudo, Chinaski. Hoje não há nada para você. — Ficou olhando para o meu rosto. Foda-se, eu não dava a mínima. Tudo o que eu queria fazer era voltar para cama e dormir mais um pouco.
Tudo bem, Stone — eu disse.
Entre os carteiros ele era conhecido como “O Stone”, mas eu era o único que o chamava assim.
Fui embora, dei a partida na lata velha e logo eu estava na cama com Betty.
Ah, Hank! Que bom!
Maravilha, baby!
Grudei-me àquele rabo quente e dormi em 45 segundos.

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Mas na manhã seguinte foi a mesma coisa:
Isso é tudo, Chinaski. Hoje não há nada para você.
Aquilo seguiu por uma semana. Eu sentava lá, todas as manhãs, das cinco às sete e não era pago. Meu nome foi até riscado das coletas noturnas.
Então Bobby Hansen, um dos caras mais antigos — em tempo de serviço me disse:
Ele fez isso comigo uma vez. Tentou me matar de fome.
Não dou a mínima. Não vou lamber as bolas dele. Ou dou o fora ou morro de fome, tanto faz.
Isso não é necessário. Compareça ao Posto Prell todas as noites. Diga ao supervisor que você não está recebendo serviço e pode ficar como substituto de entregas especiais.
Posso fazer isso? Não contraria nenhuma regra?
Eu recebia um cheque a cada duas semanas.
Obrigado, Bobby.

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Esqueci a que horas o negócio começava. Seis ou sete da noite. Algo assim.
Tudo o que você tinha de fazer era sentar com um punhado de cartas, pegar o mapa das ruas e calcular o trajeto. Uma barbada. Todos os motoristas levavam muito mais tempo do que o necessário para calcular as rotas e eu jogava o jogo deles. Saía quando todos saíam e voltava quando todos voltavam.
Depois era só dar mais outra volta. Sobrava tempo para vadiar um pouco nos cafés, folhear os jornais, me sentir decente. Sobrava tempo até para o almoço. Sempre que queria tirar um dia de folga, eu tirava. Numa das rotas havia uma jovem, grande, que recebia uma entrega especial toda noite. Ela confeccionava vestidos sensuais e camisolas e os usava. Você subia aquela escada íngreme lá pelas onze da noite, tocava a campainha e fazia a entrega especial. Ela deixava escapar um gemido, algo como “OOOOOOOOOOHHHH!”, e ficava ali parada, perto, bem perto, e não o deixava ir embora enquanto não tivesse lido tudo; depois diria:
OOOOOooooh, boa noite, MUITO obrigada!
Isso aí, dona — você diria na saída, o pau do tamanho de um touro.
Mas aquilo não durou muito. A mensagem chegou pelo correio, depois de uma semana e meia de liberdade:

Prezado sr. Chinaski:
O senhor deve se apresentar ao Posto de Oakford imediatamente. Qualquer forma de recusa estará sujeita a advertência ou demissão.
Superint. A. E. Jonstone, Posto de Oakford.”

Mais uma vez eu voltava à minha cruz.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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