terça-feira, 3 de agosto de 2021

Escola das árvores

Para as árvores, é mais difícil suportar a sede do que a fome, pois alimento elas obtêm a qualquer momento realizando a fotossíntese. No entanto, as árvores não produzem nutrientes sem umidade. Por dia, uma faia adulta consegue captar mais de 500 litros de água nos galhos e nas folhas, desde que consiga extraí-la do subsolo.
No entanto, a umidade do solo se esgotaria rapidamente caso a árvore fizesse isso em todos os dias do verão europeu. Nessa época, não chove o bastante para encharcar o solo ressecado. Por isso, a árvore armazena água durante o inverno, estação em que chove mais do que o suficiente na Europa Central e a árvore praticamente não consome água, pois quase todas as plantas param de crescer nessa época.
Junto com as precipitações da primavera, que ficam armazenadas no subterrâneo, a umidade captada é suficiente até o início do verão. Mas em muitos anos há estiagem. Com duas semanas de calor intenso e tempo seco, a maioria das florestas começa a passar dificuldade, o que afeta sobretudo árvores adaptadas a solos especialmente úmidos. Elas esbanjam água, e em geral são os espécimes maiores e mais robustos que pagam por esse comportamento.
Na nossa reserva, os abetos são os que mais sofrem – não em toda a sua estrutura, mas sobretudo no tronco. Quando o solo está seco e as agulhas da copa exigem mais água, a tensão na madeira ressecada fica alta demais. Ela estala e crepita até surgir uma fissura de quase 1 metro de comprimento que vai da casca até os tecidos mais profundos e fere a árvore gravemente. Em pouco tempo esporos de fungos penetram a ferida, alcançam a parte mais interna da árvore e começam a causar destruição. O abeto tenta reparar o ferimento ao longo dos anos seguintes, mas ele se abre outra vez. Mesmo de longe é possível ver os sulcos pretos de resina endurecida, que marcam o doloroso processo.
Com isso, chegamos ao centro da escola das árvores, lugar em que impera a violência, pois a natureza é uma professora rígida. Quem não for atento e não se adaptar vai sofrer as consequências. Fissuras na madeira, na casca, no câmbio (camada cilíndrica de células extremamente sensível encoberta pela casca e que se estende em volta do alburno, a parte do tronco que conduz a água): a situação da árvore é grave. Ela precisa reagir, e não só tentando fechar os ferimentos. Depois que passa por isso, a árvore para de desperdiçar água e a distribui com mais eficiência. Ela de fato aprende esse comportamento e, por precaução, o exibe mesmo quando o solo está bem úmido.
Na nossa reserva esse comportamento é comum entre os abetos que crescem num solo bastante úmido: são mimados com tamanha facilidade. Mas um quilômetro adiante, numa encosta seca e pedregosa, a situação é bem diferente. Quando cheguei ali pela primeira vez, esperava encontrar árvores afetadas pela forte seca do verão. No entanto, o que vi foi o contrário: ali as árvores eram disciplinadas e suportavam condições muito piores que suas colegas acostumadas à maior oferta de água. Mesmo com pouca água à disposição durante o ano (o solo armazena menos água e o sol queima muito mais, causando a evaporação), os abetos estavam saudáveis. Cresciam nitidamente mais devagar do que as de solo úmido, mas usavam melhor a pouca água a que tinham acesso e sobreviviam bem até em anos mais extremos.
É muito mais fácil ver como as árvores aprendem a lição da estabilidade. Basicamente elas evitam tudo o que é desnecessário. Para que formar um tronco robusto se ela pode se apoiar nas árvores vizinhas? Desde que se mantenham de pé, nada de muito ruim pode acontecer. No entanto, na Europa Central, a cada dois anos, um grupo de operários florestais ou uma máquina de colheita entra na floresta e derruba 10% da madeira. Nas florestas naturais, é quando uma poderosa árvore-mãe morre de velhice que as outras em seu entorno perdem seu suporte. Isso porque, como resultado, surgem lacunas no dossel de folhas, e as faias e os abetos que antes estavam numa posição confortável de repente perdem o equilíbrio. E, como são lentas, essas árvores levam de três a 10 anos para voltar a se equilibrar.
O processo de aprendizagem é acionado por microfissuras dolorosas que nascem quando o tronco balança com força pela ação do vento. A árvore precisa fortalecer a estrutura nos pontos onde isso acontece, e para tanto gasta uma energia que lhe faltará para crescer em altura. Por outro lado, com a queda da vizinha há um pequeno consolo: a sobrevivente passa a receber mais luz na copa. No entanto são necessários alguns anos até que ela possa se valer dessa vantagem.
Até então, suas folhas estavam adaptadas à penumbra, portanto eram muito frágeis e sensíveis à luz. Com o sol forte, são parcialmente queimadas. Como os botões para o ano seguinte já foram criados na primavera e no verão anteriores, as árvores frondosas só conseguem se adaptar após dois anos. As coníferas precisam de mais tempo, pois suas agulhas permanecem no galho até sete anos. A situação só se normaliza quando todas as folhas ou agulhas se renovam.
Dessa forma, a grossura e a estabilidade de um tronco são determinadas pelos contratempos que sofre. Esse jogo pode se repetir várias vezes na vida de uma árvore de uma floresta natural. Quando a lacuna criada por uma árvore caída se fecha por causa do crescimento das copas das árvores que se encontram ao redor, elas voltam a se apoiar umas nas outras. Com isso, podem outra vez empregar mais energia para crescer em altura do que em diâmetro de tronco.
Voltando à ideia de escola, se as árvores são capazes de aprender (e basta observá-las para saber que são), surge a seguinte questão: onde e como armazenam o conhecimento adquirido? Afinal, elas não têm cérebro para guardar informações e gerenciar seus processos. A pergunta vale para todas as plantas, por isso vários pesquisadores são céticos e muitos especialistas acreditam que a capacidade de aprendizado da flora não passa de fantasia.
É nesse momento que mais uma vez surge a cientista australiana Dra. Monica Gagliano. Ela pesquisa as mimosas (também conhecidas como dormideiras), um subarbusto tropical que funciona especialmente bem como objeto de investigação porque é possível estimulá-las. Além disso, como são pequenas, é mais fácil pesquisá-las em laboratório do que as árvores. Quando tocadas, elas fecham suas folhinhas penadas. Em um experimento, gotas d’água caíam a intervalos regulares sobre a planta. No início, as folhas se fechavam imediatamente, mas depois de um tempo a planta aprendeu que a água não lhe oferecia nenhum risco. A partir de então, passaram a permanecer abertas enquanto as gotas caíam.
Para Gagliano o mais surpreendente foi descobrir que as mimosas retiveram a informação e aplicaram a lição aprendida mesmo depois de semanas após o experimento. Infelizmente, não é possível deslocar faias ou carvalhos inteiros para um laboratório e realizar pesquisas sobre aprendizagem.
Existe outra pesquisa com água que investiga mudanças de comportamento mas traz uma nova informação: quando as árvores sentem muita sede, começam a gritar. Não podemos ouvir os gritos, pois eles se dão em uma frequência ultrassônica. Cientistas do Instituto Federal de Pesquisa sobre Floresta, Neve e Paisagem, na Suíça, gravaram os sons e nos explicaram da seguinte forma: quando o fluxo de água enviado das raízes até as folhas é interrompido no tronco, ocorrem vibrações. É um processo totalmente mecânico e não tem nenhum significado. Ou será que tem? Sabemos apenas como esses sons são produzidos, e, comparando com a forma como o homem produz som, concluímos que os processos não são tão diferentes. No nosso caso, o ar passa pela traqueia e faz as cordas vocais vibrarem. Quando penso nos resultados da pesquisa sobre as raízes que estalam, seria totalmente cabível concluir que essas vibrações eram algo mais – gritos de sede, talvez até um alerta às colegas de que a água está acabando.

Peter Wohlleben, in A vida secreta das árvores: O que elas sentem e como se comunicam

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