quinta-feira, 29 de julho de 2021

Apoie políticas educacionais afirmativas

Por causa do racismo estrutural, a população negra tem menos condições de acesso a uma educação de qualidade. Geralmente, quem passa em vestibulares concorridos para os principais cursos nas melhores universidades públicas são pessoas que estudaram em escolas particulares de elite, falam outros idiomas e fizeram intercâmbio. E é justamente o racismo estrutural que facilita o acesso desse grupo.
Esse debate não é sobre capacidade, mas sobre oportunidades — e essa é a distinção que os defensores da meritocracia parecem não fazer. Um garoto que precisa vender pastel para ajudar na renda da família e outro que passa as tarde em aulas de idiomas e de natação não partem do mesmo ponto. Não são muitos os que podem se dar o luxo de cursar uma graduação sem trabalhar ou ganhando apenas uma bolsa de estagiário. Eu mesma entrei na Universidade Federal de São Paulo, cujo campus de ciências humanas foi criado em 2007 graças a políticas públicas, aos 27 anos e com uma filha pequena, tendo que fazer malabarismos para conseguir estudar.
Embora as desigualdades nas oportunidades para negros e brancos ainda sejam enormes, políticas públicas mostraram que têm potencial transformador na área. O caso das cotas raciais é notável. Na época em que o debate sobre ações afirmativas estava acalorado, um dos principais argumentos contrários à implementação de cotas raciais nas universidades era “as pessoas negras vão roubar a minha vaga”. Por trás dessa frase está o fato de que pessoas brancas, por causa de seu privilégio histórico, viam as vagas em universidades públicas como suas por direito.
A primeira universidade a adotar as cotas raciais no vestibular foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 2003, seguida pela Universidade de Brasília (UnB), em 2004. As novas políticas públicas universitárias transformaram o perfil dos alunos ingressantes: ao contrário do que muita gente afirmava quando essas políticas começaram a ser implementadas, o desempenho positivo de alunos cotistas trouxe grandes avanços para o saber do país.
Pesquisas sobre os resultados dessas políticas logo começaram a surgir, como a do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2008, na qual se demonstrou que os alunos cotistas de quatro universidades federais tinham desempenho similar ou superior ao dos alunos não cotistas; e a da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, realizada em parceria com universidades estaduais, a qual constatou que no período entre 2003 e 2016 a evasão universitária entre cotistas (26%) foi menor se comparada com a de não cotistas (37%), além de apontar desempenho similar entre ambos. Sobre outras políticas de acesso à educação, destaca-se o estudo de Jacques Wainer, professor do Instituto da Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Tatiana Melguizo, professora associada da Universidade do Sul da Califórnia, que, com base na análise dos resultados de mais de 1 milhão de alunos que realizaram o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), entre 2012 e 2014, apontou que não havia diferença entre as notas de beneficiários do programa Prouni e as de outros estudantes. Diferente da política de cotas, o Prouni é um convênio realizado entre universidades privadas e o governo federal que permite às universidades abaterem impostos ao oferecer bolsas integrais ou de 50% para alunos e alunas do programa — seja por raça ou por renda —, desde que mantenham um desempenho exemplar.
Muitas vezes, casos de pessoas negras que enfrentam grandes dificuldades para obter um diploma ou passar em um concurso público são romantizados. Entretanto, ainda que seja bastante admirável que pessoas consigam superar grandes obstáculos, naturalizar essas violências e usá-las como exemplos que justifiquem estruturas desiguais é não só cruel, como também uma inversão de valores. Não deveria ser normal que, para conquistar um diploma, uma pessoa precise caminhar quinze quilômetros para chegar à escola, estude com material didático achado no lixo ou que tenha que abrir mão de almoçar para pagar um transporte.
A cultura do mérito, aliada a uma política que desvaloriza a educação pública, é capaz de produzir catástrofes. Hoje, em vez de combater a violência estrutural na academia, a orientação de muitos chefes do Executivo brasileiro é uniformizar as desigualdades, cortando políticas públicas universitárias, como bolsas de estudo e cotas raciais e sociais.
Informe-se sobre as políticas públicas de combate à desigualdade racial e pela promoção da diversidade. Apoie e prestigie institutos de pesquisa e de desenvolvimento de políticas. Apoie candidatos que defendem políticas públicas efetivas e transformadoras.
A lei de cotas para universidades federais, promulgada em 2012, representou uma grande vitória. Uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) com base em dados de 2018 mostrou que, nessas instituições, a maioria dos estudantes é negra (51,2%), 64,7% cursaram o ensino médio em escolas públicas e 70,2% vêm de famílias com renda mensal per capita de até um salário mínimo e meio. Infelizmente o mercado de trabalho ainda não reflete essa mudança.

Djamila Ribeiro, in Pequeno Manual Antirracista

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