sábado, 19 de junho de 2021

A caçada – Primeiro dia

 


Naquela noite, durante a vigília da meia-noite, quando o velho – como era por vezes seu costume – se afastou da escotilha onde se inclinava e seguiu para seu buraco de sustentação, lançou o rosto para a frente de súbito, farejando a brisa marítima como faria um cão de bordo sagaz, ao aproximar-se de uma ilha selvagem. Declarou que alguma baleia devia estar por perto. Em breve aquele cheiro peculiar, por vezes exalado a grande distância pelo cachalote vivo, tornava-se perceptível a toda a vigília; e nenhum marinheiro se surpreendeu quando, depois de inspecionar a bússola e a grimpa, e de verificar com a precisão possível a direção do cheiro, Ahab ordenou rapidamente que a rota do navio fosse levemente alterada e as velas reduzidas.
A extrema prudência com que ditara esses movimentos foi suficientemente provada ao amanhecer, mediante a aparição, bem perpendicular à proa, de uma longa faixa lustrosa no mar, acetinada como óleo, e que lembrava, pelas pregas plissadas das águas que a bordejavam, a lisa superfície, como que metálica, de alguma veloz racha de maré na foz de um rio profundo e veloz.
Aos topos de mastro! Chamai todos os marinheiros!”
Tonitruando no convés do castelo de proa, com as extremidades de três alavancas agrupadas, Daggoo acordou os que dormiam com tal estrondo de Juízo Final, que eles pareceram evaporar da escotilha, tão depressa apareceram com as roupas na mão.
Que vedes?”, gritou Ahab, levando o rosto ao céu.
Nada, nada, senhor!”, foi o grito que veio de cima como resposta.
Içar os joanetes! – Cutelos! Em cima, embaixo e dos dois lados!”
Com todas as velas desfraldadas, ele desprendeu a corda de segurança, destinada a suspendê-lo até a gávea do mastaréu do sobrejoanete; e em poucos momentos estavam a içá-lo para lá, quando, a dois terços do caminho para cima, enquanto olhava para o espaço vazio entre a gávea do mastro grande e a vela de joanete, ele alteou um grito de gaivota no ar: “Lá ela sopra! – lá ela sopra! Uma corcova como uma colina de neve! É Moby Dick!”
Incendiados pelo grito que parecia ter sido proferido simultaneamente pelos três vigias, os marinheiros do convés correram ao cordame para ver a famosa baleia que perseguiam há tanto tempo. Ahab ocupara agora seu poleiro de destino, alguns pés acima dos demais vigias, com Tashtego logo abaixo dele, no topo do mastaréu de joanete, de modo que a cabeça do Índio estava quase no mesmo nível do calcanhar de Ahab. Dessa altura, a baleia foi vista mais ou menos uma milha adiante, a cada oscilação do mar revelando sua enorme corcova reluzente e soprando regularmente seu jato silencioso no ar. Para os crédulos marujos parecia o mesmo sopro silencioso que se vira tempos atrás à luz do luar no Atlântico e no Índico.
E nenhum de vós a viu antes?”, gritou Ahab, chamando os homens empoleirados à sua volta.
Eu a vi quase no mesmo instante que o Capitão Ahab a viu, senhor, e gritei”, disse Tashtego.
Não foi ao mesmo tempo; não foi – não, o dobrão é meu, o Destino reservou o dobrão para mim. Para mim apenas; nenhum de vós poderia ter avistado a Baleia Branca primeiro. Lá ela sopra! Lá ela sopra! – lá ela sopra! Ali, outra vez! – ali, outra vez!”, ele gritou com entoações longas, prolongadas e metódicas, ao compasso dos prolongados jatos visíveis da baleia. “Vai mergulhar! Ferrar os cutelos! Arriar os joanetes! Preparar três botes. Senhor Starbuck, não te esqueças, fica a bordo e cuida do navio. Timão ali! Virar de ló, virar um ponto de ló! Assim; firme, homem, firme! Lá está a cauda! Não, não; apenas água preta! Todos os botes estão prontos? Todos a postos, todos a postos! Desce-me, senhor Starbuck; mais baixo, mais baixo – rápido, mais rápido!”, e deslizou pelo ar até o convés.
Ele segue direto a sotavento, senhor”, gritou Stubb, “bem à nossa frente; não pode ter visto o navio ainda.”
Cala-te, homem! A postos para bracear! Leme a sotavento! – Bracear! A todo o pano! – a todo o pano! Assim, está bem! Os botes, os botes!”
Logo todos os botes, menos o de Starbuck, foram arriados; todas as velas colocadas – todos os remos postos em manejo; agitando a água, disparando velozmente a sotavento; com Ahab à cabeça do assalto. Um pálido clarão mortal iluminou os olhos encovados de Fedallah; um movimento horrível contorceu-lhe a boca.
Como silenciosas conchas de náutilo, suas proas leves apressavam-se através do mar; mas apenas lentamente se aproximavam do inimigo. E à medida que se aproximavam o oceano tornava-se cada vez mais liso; parecia desenrolar um tapete sobre as ondas; parecia uma pradaria ao meio-dia, tão serenamente se estendia. Finalmente, o caçador ofegante chegou tão perto de sua aparentemente incauta presa, que toda a sua deslumbrante corcova se fez visível, deslizando pelo mar como uma coisa isolada, sempre envolta num anel da mais fina, felpuda e esverdeada espuma. Ele viu intricadas e imensas rugas da cabeça que se projetava mais à frente. Adiante, distante nas águas suaves do tapete turco, seguia a fulgurante sombra branca da imensa fronte leitosa, com um jovial murmúrio de música acompanhando o vulto; e, atrás, as águas azuis corriam entrelaçadas para o vale movente de seu rastro vigoroso; e, pelos flancos, bolhas cintilantes surgiam e dançavam em seu caminho. Mas essas eram estouradas pelas garras ligeiras de centenas de aves alegres que ora cobriam a água de suave plumagem, ora seguiam em seu bater intermitente de asas; e, como o mastro de bandeira que assoma do casco pintado de um galeão, a comprida haste partida de uma lança recente se projetava do dorso da baleia branca; e, de vez em quando, uma das aves da nuvem de garras ligeiras, que pairava e voava de um lado para o outro por sobre o peixe como um dossel, pousava silenciosa e balançava na haste das longas penas da cauda a tremular como pendões.
Uma alegria tranquila – uma gigantesca suavidade de repouso na velocidade tomou conta da baleia que deslizava. Nem o touro branco Júpiter nadando para longe com a Europa raptada; ela, agarrada a seus graciosos chifres; e ele, com adoráveis olhos maliciosos, obliquamente dirigidos à donzela; fugindo com uma suave e encantadora rapidez direto para a alcova nupcial em Creta; nem Jove, nem aquela grande majestade Suprema! sobrepujava a gloriosa Baleia Branca, que tão divinamente nadava.
De cada flanco macio – a par com as ondas partidas, que mal a banhavam, logo refluíam para longe –, de cada flanco iluminado, a baleia esparzia encantos. Não é de admirar que houvesse entre os caçadores alguns que, indizivelmente atraídos e seduzidos por toda aquela serenidade, tivessem se aventurado a atacá-la; mas fatalmente descobriam que tal quietude era apenas a vestimenta dos tornados. Porém, tranquila, sedutoramente tranquila, ó, baleia!, continuas a deslizar para os que te veem pela primeira vez, pouco importando quantos, dessa mesma maneira, possas ter iludido e destruído antes.
E assim, através da serena tranquilidade do mar tropical, por entre ondas cujos aplausos foram suspensos por um excessivo enlevo, Moby Dick avançava, sempre ocultando os terrores abundantes de seu corpo submerso, escondendo totalmente a abominável contorção de sua mandíbula. Mas, de repente, sua parte dianteira ergueu-se lentamente na água; por um instante, todo o corpo marmóreo formou um enorme arco, como a Ponte Natural de Virginia e, à guisa de advertência, agitando os estandartes da cauda no ar, o grande deus se revelou, mergulhou e sumiu da vista. Pairando em repouso e fazendo encolher de súbito as asas, as brancas aves marinhas refrearam-se ansiosas sobre a piscina agitada que a baleia deixara.
Com os remos arvorados, as pás para baixo, as escotas de suas velas frouxas, os três botes flutuavam em silêncio, aguardando o reaparecimento de Moby Dick.
Uma hora”, disse Ahab, cravado em pé na popa de seu bote; e olhou para além do lugar da baleia, em direção aos sombrios espaços azuis e ao vazio vasto e sedutor a sotavento. Foi apenas um instante; pois de novo os seus olhos pareceram revolver-se em sua cabeça, enquanto percorria o círculo de água. A brisa refrescou; o mar começou a intumescer-se.
Os pássaros! – os pássaros!”, gritou Tashtego.
Em longa fila Indiana, como garças levantando voo, as aves brancas voavam agora todas em direção ao bote de Ahab; quando, a uma distância de poucas jardas, começaram a se alvoroçar sobre a água, dando voltas e mais voltas com alegres gritos expectantes. Seus olhos eram mais aguçados que os do homem; Ahab não percebia nenhum sinal no oceano. Mas subitamente, examinando o abismo com mais minúcia, viu surgindo das profundezas uma intensa mancha branca, não maior do que uma doninha branca, ascendendo com prodigiosa celeridade e ganhando volume à medida que subia, até que se virou, e então apareceram distintamente duas longas e arqueadas fileiras de dentes brancos, brilhantes, emersas do fundo indistinto. Eram a boca aberta e as volutas da mandíbula de Moby Dick; seu corpo imenso, à sombra, ainda um tanto mesclado ao azul do mar. A boca cintilante se escancarou abaixo do bote como um mausoléu de mármore de portões abertos; e, dando uma longa e oblíqua voga com seu remo-piloto, Ahab fez girar a embarcação, afastando-a da terrível aparição. Então, chamando Fedallah para trocar de posição com ele, encaminhou-se para a proa e, tomando o arpão de Perth, ordenou à tripulação que pegasse nos remos e se preparasse para recuar.
Ora, em virtude dessa rotação do barco sobre seu eixo, a proa, por antecipação, ficou de frente para a cabeça da baleia enquanto ainda estava submersa. Mas, como se percebesse o estratagema, Moby Dick, com a maligna inteligência a ele atribuída, transplantou-se lateralmente, por assim dizer, num instante, arremessando perpendicularmente a cabeça franzida por debaixo do bote.
De ponta a ponta; através de cada tábua e cada viga, o bote vibrou por um instante; estando a baleia sobre o próprio dorso, como um tubarão pronto para morder, lenta e sensivelmente levando a proa para dentro de sua boca, de tal modo que a voluta da mandíbula, comprida e estreita, se fez em arco no ar, e um dos dentes agarrou-se a uma toleteira. O branco madrepérola, azulado, de dentro da mandíbula estava a seis polegadas da cabeça de Ahab, e a uma altura ainda maior. Nessa posição, a Baleia Branca sacudia agora o cedro leve como um gato cruel sacode tranquilamente um rato. Sem espanto nos olhos, Fedallah observou a cena e cruzou os braços; mas a tripulação amarelo-tigrina tropeçava por cima das próprias cabeças para chegar ao extremo da popa.
E aqui, no momento em que as elásticas amuradas do bote eram rachadas por dentro e por fora, enquanto a baleia se distraía com a embarcação daquela maneira diabólica; e uma vez que, com seu corpo submerso abaixo do bote, ela não pudesse ser fustigada pela proa, pois esta estava quase que, por assim dizer, dentro dela; e uma vez que os demais botes involuntariamente pararam, como se estivessem diante de uma crise impossível de enfrentar, então coube ao monomaníaco Ahab, furioso com a provocativa proximidade de seu inimigo, que o colocou vivo e sem recursos entre as próprias mandíbulas que tanto odiava; enfurecido com tudo isso, coube a ele agarrar o longo osso com suas próprias mãos e forçá-lo loucamente a soltá-lo de seu afinco. Enquanto ele assim lutava em vão, a mandíbula fugiu-lhe das mãos; as frágeis amuradas envergaram, ruíram e arrebentaram, quando ambas as mandíbulas, como uma enorme tesoura, deslizando à ré, cortaram a embarcação em duas, e se fecharam rapidamente no mar, a meio caminho dos dois destroços. Estes flutuaram lateralmente, as partes rompidas sob a água, e a tripulação na popa destroçada agarrando-se à amurada e esforçando-se em alcançar os remos para atá-los de través.
Naquele momento inicial, antes que o bote fosse destroçado, Ahab, o primeiro a perceber a intenção da baleia, pela maneira astuta com que levantara a cabeça, movimento que afrouxou seu controle por instantes; naquele momento, sua mão fez um último esforço para impulsionar o bote para longe do alcance da mordida. Mas, deslizando ainda mais para dentro da boca da baleia e caindo para o lado ao deslizar, o bote puxou-lhe a mão do maxilar; cuspiu-o para fora quando ele se inclinava para puxar; e assim ele caiu de cara na água.
Afastando-se de sua presa em meio à espuma, Moby Dick estava agora a uma certa distância, arremetendo verticalmente a oblonga cabeça branca para cima e para baixo nos vagalhões; e ao mesmo tempo revolvendo lentamente todo o seu corpo esguio; de tal modo que enquanto a enorme fronte enrugada se levantava – cerca de vinte ou mais pés acima da água –, os vagalhões que agora se avolumavam, com todas as demais ondas confluentes, quebravam-se contra ele deslumbrantes; alanceando vingativo as águas estilhaçadas ainda mais para o alto. Assim, numa tempestade, as vagas meio estorvadas do Canal da Mancha apenas recuam da base do Eddystone, para recobrir triunfantes o cimo com sua surriada.
Mas, logo retomando sua posição horizontal, Moby Dick pôs-se a nadar velozmente ao redor da náufraga tripulação; agitando de lado a água em seu rastro vingador, como se estivesse preparando outro assalto ainda mais mortal. A visão do bote destroçado parecia enlouquecê-lo, como o sangue das uvas e das amoras lançadas aos elefantes de Antíoco no livro dos Macabeus. Enquanto isso, Ahab, quase sufocado pela espuma da cauda insolente da baleia e mutilado demais para nadar – muito embora pudesse se manter boiando mesmo no meio de um redemoinho como aquele; a cabeça do impotente Ahab foi vista, como uma bolha sem rumo que o menor choque acidental podia estourar. Da popa em pedaços, Fedallah observava-o com calma e sem curiosidade; a tripulação agarrada à outra extremidade à deriva não podia socorrê-lo; era mais do que suficiente para eles a segurança de si mesmos. Pois tão redondamente pavoroso era o aspecto da Baleia Branca, e tão planetariamente rápidas eram as voltas cada vez mais constritas que fazia, que ela parecia investir horizontalmente contra eles. E embora os outros botes, sãos e salvos, ainda rondassem por perto; eles não se atreviam a remar até o redemoinho para o ataque, temerosos de que esse pudesse ser o sinal para o imediato aniquilamento dos náufragos em perigo, Ahab e todos; nesse caso, nem eles teriam esperança de escapar. Com olhos diligentes, então, permaneceram do lado de fora da zona de terror, cujo centro se tornara então a cabeça do velho.
Nesse meio-tempo, desde o início tudo fora avistado dos topos de mastro do navio; e, cruzando as vergas, o navio dirigira-se para a cena; estava tão perto agora que Ahab os chamou da água; – “Navegai para…”, porém, naquele momento uma onda vinda de Moby Dick encobriu-o, submergindo-o então. Mas, lutando para se libertar e emergindo por acaso numa crista alta, gritou, “Navegai para a baleia! – Afugentai-a!”.
A proa do Pequod foi apontada; e, rompendo o círculo encantado, o navio efetivamente afastou a Baleia Branca de sua vítima. Enquanto ela se afastava, os botes acorreram para o salvamento.
Arrastado para dentro do bote de Stubb com os olhos cegos e injetados, com a branca salmoura acumulando-se nas rugas; a longa tensão da força física de Ahab entrou em colapso e, impotente, ele se rendeu à sina de seu corpo: por algum tempo, permaneceu deitado todo moído no fundo do bote de Stubb, como se tivesse sido pisado por manadas de elefantes. De seu interior saíam lamentos inomináveis, como ruídos de ravinas desoladas.
Mas a intensidade de sua prostração física não fez mais do que abreviá-la. Em pouco mais do que um instante, grandes corações por vezes condensam numa única dor aguda a soma total das dores superficiais suavemente difusas em vidas inteiras de homens mais fracos. E assim, tais corações, embora breves em cada sofrimento; ainda assim, caso os deuses o decretem, agregam durante a vida toda uma era de infortúnios, toda feita de intensidades instantâneas; pois, mesmo em seus centros não assinalados, essas nobres naturezas englobam circunferências inteiras de almas inferiores.
O arpão”, disse Ahab, soerguendo-se e apoiando-se pesadamente num braço dobrado – “está a salvo?”
Sim, senhor, pois não foi arremessado; está ali”, disse Stubb mostrando-o.
Colocai-o à minha frente – estão faltando homens?”
Um, dois, três, quatro, cinco – havia cinco remos e aqui estão cinco homens.”
Isso é bom – ajuda-me, homem; quero ficar de pé. Assim, assim, já a vejo!
Ali! Ali! Continua a ir para sotavento; que sopro alto! – tira as mãos de mim! A seiva eterna corre pelos ossos de Ahab de novo! Desfraldar velas; aos remos; ao leme!”
Sucede com frequência, quando um bote se perde, que sua tripulação recolhida por outro bote ajude no trabalho deste; e a caçada continua com o que se chama de bancadas duplas. Assim foi então. Mas a força adicional do bote não se igualava à força adicional da baleia, pois ela parecia ter triplicado a bancada de suas barbatanas; nadando a uma velocidade que demonstrava claramente que, se agora, naquelas circunstâncias, continuasse, a caçada seria indefinidamente prolongada, se não desesperançada; tampouco poderia uma tripulação suportar por um tão longo tempo um tal esforço constante e intenso nos remos; coisa somente tolerável no caso de uma breve vicissitude. O próprio navio, como sói acontecer, oferecia o meio mais promissor de chegar à presa. Em consequência, os botes encaminharam-se para ele e logo foram suspensos pelos guindastes – as duas partes do bote destroçado tendo sido previamente recolhidas –, e depois, içando tudo para o costado, e acumulando as velas ao alto e desdobrando-as de cada lado com os cutelos, como as asas articuladas de um albatroz; o Pequod correu a sotavento no rastro de Moby Dick. Com os já bem conhecidos e metódicos intervalos, o sopro reluzente do cachalote foi regularmente anunciado pelos topos de mastro guarnecidos; e, quando reportavam que ele havia submergido, Ahab marcava o tempo, e, caminhando pelo convés, o relógio da bitácula à mão, logo que o último segundo do tempo previsto expirava, ouvia-se a sua voz – “De quem é o dobrão agora? Estais a vê-lo?”, e se a resposta fosse “Não, senhor!”, imediatamente ordenava que o içassem para seu poleiro. Desse modo passou-se o dia; Ahab, ora no alto e imóvel; ora caminhando impacientemente pelo convés.
Enquanto assim caminhava, sem dizer palavra, exceto para gritar aos homens no alto, ou para ordenar que içassem uma vela ainda mais alto, ou para que outra fosse desfraldada – andando assim de um lado para outro, debaixo de seu chapéu caído, a cada volta passava por seu próprio bote destroçado, largado no tombadilho, e lá estava em posição invertida; proa quebrada contra popa arrebentada. Por fim, parou diante dele; e, assim como num céu já carregado novos bandos de nuvens flutuam sobrepostos aos primeiros, também ao rosto do velho se sobrepôs uma melancolia suplementar.
Stubb viu-o parar; e talvez querendo demonstrar, não por vaidade, sua própria coragem intacta e assim manter um lugar de honra no espírito de seu Capitão, adiantou-se, e, olhando para os destroços, exclamou – “O cardo que o asno recusou; picou-lhe demais a boca, senhor; ha! ha!”.
Que coisa desalmada é essa que ri diante de uma ruína? Homem, homem! Se eu não soubesse que és corajoso como o fogo intrépido (e tão mecânico), seria capaz de jurar que és um covarde. Nem gemidos nem risos devem ser ouvidos diante da ruína.”
Sim, senhor”, disse Starbuck aproximando-se, “é uma visão solene; um augúrio, um mau augúrio.”
Augúrio? Augúrio? – um dicionário! Se os deuses pensam em falar direto com o homem, eles honestamente falarão sem rodeios; não acenarão com a cabeça, nem farão insinuações obscuras de velhas senhoras – Ide! Vós sois os dois pólos opostos da mesma coisa; Starbuck é Stubb ao contrário, e Stubb é Starbuck; e vós sois toda a humanidade; e Ahab está sozinho entre milhões de pessoas na terra, sem deuses nem homens por vizinhos! Frio, frio – estou tremendo! –, como assim? Ó, de cima! Estais a vê-la? Avisai a cada sopro, mesmo que sopre dez vezes por segundo!”
O dia estava quase no fim; apenas a bainha de sua veste dourada ainda farfalhava. Em breve, estaria quase escuro, mas os vigias ainda permaneciam nos postos.
Já não se pode ver o sopro agora, senhor – muito escuro”, gritou uma voz do ar.
Para onde apontava na última aparição?”
Como antes, senhor – direto para sotavento.”
Bom! Irá mais devagar, agora que é noite. Abaixa os sobrejoanetes e os cutelos de joanete, senhor Starbuck. Não devemos ultrapassá-la antes da manhã; ela está fazendo uma travessia agora e talvez pare um pouco. Timoneiro! Mantém-no de vento em popa! Ó, de cima! Descei! – Senhor Stubb, manda um marinheiro novo para o topo do mastro de proa e cuida para que sempre esteja guarnecido até de manhã.” Em seguida, indo na direção do dobrão no mastro grande – “Homens, esse ouro é meu, pois eu o mereci; mas eu o deixarei aqui até que a Baleia Branca esteja morta; e depois, aquele de vós que primeiro a avistar no dia em que for morta, esse ouro será desse homem; e se nesse dia eu a anunciar de novo, então, dez vezes o seu valor será dividido entre vós todos! Ide agora! – O convés é vosso, senhor.”
E dizendo isso colocou-se a meio caminho da escotilha e, baixando o chapéu, ali se manteve até a alvorada, exceto quando se levantava, de tempo em tempo, para ver como passava a noite.

Herman Melville, in Moby Dick

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