domingo, 22 de novembro de 2020

Tentativa de posse

            Chegou ao palácio e disse que queria tomar posse.
Posse de quê? — perguntaram-lhe.
De tudo. De qualquer coisa. Eu quero é tomar posse.
Todos os cargos estão ocupados. O senhor chegou tarde.
Atrasei-me por causa da greve dos alfaiates, pois eu não podia tomar posse com uma roupa qualquer. Agora estou convenientemente trajado e venho empossar-me.
Já lhe dissemos que não há nenhum posto vago. Não só foram todos preenchidos como há uma relação de duzentos e cinquenta mil aspirantes a substituir algum dos titulares que eventualmente se afastar por motivo de reumatismo ou esclerose cerebral.
Posso inscrever-me como duzentos e cinquenta mil e um aspirante. Talvez sobrevenha um terremoto e eu, se der sorte, passarei ao primeiro lugar e finalmente me darão posse.
Nunca. Todos os terremotos foram previstos, todas as inundações etc. Escapará muita gente e haverá no máximo vinte substituições em nossos quadros. Portanto, o senhor jamais será aproveitado. Venda o seu terno escuro e passe muito bem.
Voltou para casa e, à falta de outra coisa, tomou posse de si mesmo.

Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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