Sei que o que escrevo aqui não se pode
chamar de crônica nem de coluna nem de artigo. Mas sei que hoje é
um grito. Um grito! de cansaço. Estou cansada! É óbvio que o meu
amor pelo mundo nunca impediu guerras e mortes. Amar nunca impediu
que por dentro eu chorasse lágrimas de sangue. Nem impediu
separações mortais. Filhos dão muita alegria. Mas também tenho
dores de parto todos os dias. O mundo falhou para mim, eu falhei para
o mundo. Portanto não quero mais amar. O que me resta? Viver
automaticamente até que a morte natural chegue. Mas sei que não
posso viver automaticamente: preciso de amparo e é do amparo do
amor.
Eu tenho recebido amor. Duas pessoas
adultas quiseram que eu fosse madrinha delas. Um afilhado de batismo
mesmo eu tenho: é Cássio, filho de Maria Bonomi e de Antunes Filho.
E eu me ofereci para ser madrinha suplente de uma jovem que quer o
meu amor. Dela a seguinte carta, do Rio mesmo: “Sabe, ontem acordei
colorida. Assim porque vi uma porção de coisas sempre vistas e
nunca vistas, amei o movimento da vida, sabe como é, um dia que a
gente tem olhos para ver. E foi tão bonito que te dei meu dia. O
presente é meio mixo para a gente linda-tão-linda que tu me deste
(vou conversar com ela quando estiver sozinha) mas foi tão bonito e
grande e claro. Hoje estou a mesma chata de sempre, que não sabe
telefonar e nem dizer que gosta da madrinha.”
O mais curioso é que as duas afilhadas
adultas que tenho – uma inteiramente diferente da outra – o mais
curioso é que eu é quem tenho sido ajudada por elas. O que será
que lhes dei a ponto de me quererem como madrinha?
Voltando ao meu cansaço, estou cansada
de tanta gente me achar simpática. Quero os que me acham antipática
porque com esses eu tenho afinidade: tenho profunda antipatia por
mim.
O que farei de mim? Quase nada. Não vou
escrever mais livros. Porque se escrevesse diria minhas verdades tão
duras que seriam difíceis de serem suportadas por mim e pelos
outros. Há um limite de se ser. Já cheguei a esse limite.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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