Dentre as conversas que fazem parte da
nossa rotina — e é tanta sorte ter encontrado um parceiro com quem
quero dividir impressões sobre o corte de uma toalha, o barulho da
geladeira, o bigode de um ator e os destinos do país —, uma das
que mais aguardo é a que estabelecemos diariamente antes de dormir.
Como se sabe, é considerável a
quantidade de hábitos que se desenvolve nesse momento do dia, quando
a idade vai aumentando. Trancam-se portas, tiram-se as chaves,
verifica-se o gás, a ração da gata e da cachorra e procede-se à
higiene pré-sono. Comigo são cremes, lavar os pés e é, claro, a
boca. Passo o fio dental, escovo os dentes seguindo uma disciplina
rigorosa, para então me dedicar ao misterioso enxaguador bucal. Não
sei para que serve, talvez ninguém saiba ao certo, mas, ao menos
para mim, ele adquiriu o status de indispensável. E o mesmo para ele
que, se não usa o fio dental, gasta muito mais tempo escovando os
dentes e bochechando com o enxaguador.
E é justamente nesses instantes que nos
comunicamos tão bem.
Ele escova os dentes e passeia pelo
quarto, assistindo a um resto de programa de televisão, corrigindo a
posição de um travesseiro. E gesticula para mim, porque não pode
falar. Eu não entendo direito e respondo. Ele continua. Eu assinto,
discordo, duvido. Concluímos coisas. Ele volta para o banheiro e
logo reaparece, bochechando com discrição. A fala, então, se torna
impossível. Os restos de palavras, antes perceptíveis, agora viram
apenas sons inarticulados. Mas não sei por quê, nossa comunicação
funciona ainda melhor.
O que é mais produtivo, sem dúvida, é
quando coincide de nós dois estarmos bochechando. Já decidimos
muitas coisas assim. A pena é que eu bochecho só durante uns dez
segundos, enquanto ele chega a ficar um minuto ou mais. Se eu
adquirir o hábito saudável de manter o enxaguador por mais tempo na
boca, será ótimo. Vamos poder tratar de muitas outras coisas
importantes, daquelas que esquecemos, ou não temos coragem de
mencionar, por exemplo, na hora do almoço.
Noemi Jaffe, in Não está mais aqui quem falou
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