sábado, 16 de novembro de 2019

Fobias

Não sei como se chamaria o medo de não ter o que ler. Existem as conhecidas claustrofobia (medo de lugares fechados), agorafobia (medo da espaços abertos), acrofobia (medo de altura) e as menos conhecidas ailurofobia (medo de gatos), iatrofobia (medo de médicos) e até a treiskaidekafobia (medo do número 13), mas o pânico de estar, por exemplo, num quarto de hotel, com insônia, sem nada para ler não sei que nome tem. É uma das minhas neuroses. O vício que lhe dá origem é a gutembergomania, uma dependência patológica na palavra impressa. Na falta dela, qualquer palavra serve. Já saí de cama de hotel no meio da noite e entrei no banheiro para ver se as torneiras tinham “Frio” e “Quente” escritos por extenso, para saciar minha sede de letras. Já ajeitei o travesseiro, ajustei a luz e abri uma lista telefônica, tentando me convencer que, pelo menos no número de personagens, seria um razoável substituto para um romance russo. Já revirei cobertores e lençóis, à procura de uma etiqueta, qualquer coisa.
Alguns hotéis brasileiros imitam os americanos e deixam uma Bíblia no quarto, e ela tem sido a minha salvação, embora não no modo pretendido. Nada como um best-seller numa hora dessas. A Bíblia tem tudo para acompanhar uma insônia: enredo fantástico, grandes personagens, romance, o sexo em todas as suas formas, ação, paixão, violência — e uma mensagem positiva. Recomendo “Gênesis” pelo ímpeto narrativo, “O cântico dos cânticos” pela poesia e “Isaías” e “João” pela força dramática, mesmo que seja difícil dormir depois do Apocalipse.
Mas e quando não tem nem a Bíblia? Uma vez liguei para a telefonista de madrugada e pedi uma Amiga.
Desculpe, cavalheiro, mas o hotel não fornece companhia feminina...
Você não entendeu! Eu quero uma revista Amiga, Capricho, Vida Rotariana, qualquer coisa.
Infelizmente, não tenho nenhuma revista.
Não é possível! O que você faz durante a noite?
Tricô.
Uma esperança!
Com manual?
Não.
Danação.
Você não tem nada para ler? Na bolsa, sei lá.
Bem... Tem uma carta da mamãe.
Manda!
Luís Fernando Veríssimo, in Banquete com os deuses

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