Foi
talvez de um filme de Walt Disney que nasceu a moda de enfeitar com
pintinhos vivos as mesas de aniversário infantil. Era uma excelente
ideia, no mundo ideal do desenho animado; conduzida para o mundo
concreto dos apartamentos, também alcançou êxito absoluto. Muitos
garotos e garotas jamais tinham visto um pinto de verdade, e queriam
comê-lo, assim como estava, imaginando ser uma espécie de doce
mecânico, mais saboroso. Houve que contê-los e ensinar-lhes noções
urgentes de biologia. As senhoras e moças deliciaram-se com a
surpresa e gula dos meninos, e foram unânimes em achar os pintos uns
amorecos. Mas estes, encurralados num centro de mesa, entre flores
que não lhes diziam nada ao paladar, e atarantados por aquele rumor
festivo e suspeito, deviam sentir-se absolutamente desgraçados.
Como
a celebração do aniversário terminasse, e ninguém sabia o que
fazer com os pintos, pareceu à dona da casa que seria gentil e
cômodo oferecer um a cada criança, transferindo assim às mães o
problema do destino a dar-lhes. O único inconveniente da solução
era que havia mais guris do que pintos, e não foi simples convencer
aos não contemplados que aquilo era brincadeira para guris ainda
bobinhos, e que mocinhas e rapazinhos de nível mental superior não
se preocupam com essas frioleiras.
Os
pintos, em consequência, espalharam-se pela cidade, cada qual com
seu infortúnio e seu proprietário exultante. O interesse das
primeiras horas continuava a revestir-se de feição ameaçadora para
a integridade física dos recém-nascidos (se é que pinto produzido
em incubadora realmente nasce). Um deles foi parar num
apartamento refrigerado, e posto a um canto da copa, sobre uma
caixinha de papelão forrada de flanela. Semeou-se em redor o
farelinho malcheiroso que o gerente do armazém recomendara como
alimento insubstituível para pintos tenros, e que (o pai leu na
enciclopédia) devia ser, teoricamente, farinha de baleia. A ideia da
baleia alimentando o pinto encheu o garotinho de assombro, e pela
primeira vez o mundo lhe apareceu como um sistema.
O pinto sentia um
frio horroroso, mas desprezava a flanela, e a todo instante se
descobria, tentando fugir. Procurava algo que ele mesmo não sabia se
era calor da galinha ou da criadeira. À falta de experiência,
dirigiu seus passinhos na direção das saias que circulavam pela
copa. As saias nada podiam fazer por ele, senão recolocá-lo em seu
ninho, mas o pinto procurava sempre, e piava.
O garoto queria
carregá-lo, inventava comidas que talvez interessassem àquele
paladar em formação. Não, senhor — explicou-lhe a mãe:
— Não se pode
pegar, não se pode brincar, não se pode dar nada, a não ser farelo
e água.
— Nem carinho?
— Meu amor,
carinho de gente é perigoso para bicho pequeno.
Mas o pinto, mesmo
sem saber, estava querendo era um palmo sujo de terra, com insetos e
plantas comestíveis, o raio de sol batendo na poça d’água caída
do céu, e companhia à sua altura e feição, e, numa casa assim tão
bonita e confortável, esses bens não existiam. E piava.
A situação
começou a preocupar a dona da casa, que telefonou à amiga doadora
do pinto: que fazer com ele?
— Querida,
procure criá-lo com paciência, e no fim de três meses bote na
panela, antes que vire galo. É o jeito.
Não virou galo,
nem caiu na panela. No fim de três dias, piando sempre e sentindo
frio, o pinto morreu. Foi sua primeira e única manifestação de
vida, propriamente dita.
O menino queria
guardá-lo consigo, supondo que, inanimado, o pinto se transformara
em brinquedo, manuseável. Foi chamado para dentro, e quando voltou o
corpinho havia desaparecido na lixeira.
Carlos Drummond
de Andrade, in 70 historinhas
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