Montevidéu,
maio de 1959: Tomei conhecimento da outra face da Lua - "minha
velha amiga a Lua", como disse Ciro Monteiro num samba inédito
que me é dedicado - ao chegar de Buenos Aires. Mirei e remirei a
fotografia estampada em El País com um sentimento misto de humildade
e assombro. Durante milênios esteve ela oculta, esta outra face da
velha amiga, e, de repente, um aparelho fotográfico colocado pela
mão do homem num foguete teleguiado fotografa e envia por radioondas
para a Terra estes espantosos instantâneos. Espantosos não em si,
mas pelo que representam de grandeza do homem diante do Infinito;
pelo que têm de maravilhoso no plano da inteligência do homem: esse
microcosmo de células e centros nervosos a trabalharem, em seu
sangrento excipiente, as fórmulas da conquista do espaço e do
equilíbrio da matéria.
Eis
que a Ciência, esse sistema exato de conhecimentos, ultrapassa os
campos da imaginação... Cuidado, artistas, escritores, poetas,
homens que viveis de criar mundos imaginários! Os cientistas, dentro
do seu minucioso mundo matemático, invadem também o vosso, e com
que grau de beleza! Ao conseguirem fotografar com suas teleobjetivas
os campos da ficção pura - essa outra face da Lua oculta desde
sempre ao homem pelo equilíbrio mesmo do Universo - agigantam-se
sobre os mais altos artífices da imaginação. Realmente penetram o
Infinito, na mais prodigiosa viagem de que já houve notícia.
Para
mim, devoto que sou da serena e mágica Lucina, a nova revelação
possui uma beleza dificilmente superável. Pois não vivi eu também
todos esse anos à espera de descobrir a outra face desse ser a um
tempo real e distante, misterioso e claro, luminoso e indevassável
que se chama Mulher? E não foi preciso que ela descesse à Terra e,
sob as aparências do amor, desvendasse só para mim os segredos de
sua outra face, oculta desde o início dos tempos?
Vinicius
de Moraes, in Para viver um grande amor
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