sábado, 19 de abril de 2025

1562 – Maní

Se engana o fogo

Frei Diego de Landa atira às chamas, um após outro, os livros dos maias.
O inquisidor amaldiçoa Satanás e o fogo crepita e devora. Em volta do queimadeiro, os hereges uivam de cabeça para baixo. Pendurados pelos pés, em carne viva pelas chibatadas, os índios recebem banhos de cera fervendo enquanto crescem as chamas e gemem os livros, como queixando-se.
Esta noite se transformam em cinzas oito séculos de literatura maia. Nestes longos rolos de papel de casca de árvore, falavam os sinais e as imagens: contavam os trabalhos e os dias, os sonhos e as guerras de um povo nascido antes que Cristo. Com pincéis de pelos de javali, os sabedores de coisas tinham pintado estes livros iluminados, iluminadores, para que os netos dos netos não fossem cegos e soubessem ver-se e ver a história dos seus, para que conhecessem os movimentos das estrelas, as frequências dos eclipses e as profecias dos deuses, e para que pudessem chamar as chuvas e as boas colheitas de milho.
Ao centro, o inquisidor queima os livros. Ao redor da fogueira imensa, castiga os leitores. Enquanto isso, os autores, artistas-sacerdotes mortos há anos ou séculos, bebem chocolate na sombra fresca da primeira árvore do mundo. Eles estão em paz, porque morreram sabendo que a memória não se incendeia. Não se cantará e dançará, por acaso, pelos tempos dos tempos, o que eles tinham pintado?
Quando queimam suas casinhas de papel, a memória encontra refúgio nas bocas que cantam as glórias dos homens e deuses, cantares que de gente em gente ficam, e nos corpos que dançam ao som dos troncos ocos, dos cascos de tartaruga e das flautas de taquara.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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