Se engana o fogo
Frei Diego de Landa atira às chamas,
um após outro, os livros dos maias.
O inquisidor amaldiçoa Satanás e o
fogo crepita e devora. Em volta do queimadeiro, os hereges uivam de
cabeça para baixo. Pendurados pelos pés, em carne viva pelas
chibatadas, os índios recebem banhos de cera fervendo enquanto
crescem as chamas e gemem os livros, como queixando-se.
Esta noite se transformam em cinzas
oito séculos de literatura maia. Nestes longos rolos de papel de
casca de árvore, falavam os sinais e as imagens: contavam os
trabalhos e os dias, os sonhos e as guerras de um povo nascido antes
que Cristo. Com pincéis de pelos de javali, os sabedores de coisas
tinham pintado estes livros iluminados, iluminadores, para que os
netos dos netos não fossem cegos e soubessem ver-se e ver a história
dos seus, para que conhecessem os movimentos das estrelas, as
frequências dos eclipses e as profecias dos deuses, e para que
pudessem chamar as chuvas e as boas colheitas de milho.
Ao centro, o inquisidor queima os
livros. Ao redor da fogueira imensa, castiga os leitores. Enquanto
isso, os autores, artistas-sacerdotes mortos há anos ou séculos,
bebem chocolate na sombra fresca da primeira árvore do mundo. Eles
estão em paz, porque morreram sabendo que a memória não se
incendeia. Não se cantará e dançará, por acaso, pelos tempos dos
tempos, o que eles tinham pintado?
Quando queimam suas casinhas de papel,
a memória encontra refúgio nas bocas que cantam as glórias dos
homens e deuses, cantares que de gente em gente ficam, e nos
corpos que dançam ao som dos troncos ocos, dos cascos de tartaruga e
das flautas de taquara.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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