José
Estanislau de Castro Vinhas, esse era o seu nome. Seu magnífico
sobrenome já se encontrava nos almanaques que citei, prova de que
ele era dorense de muitas gerações. Mas ninguém o conhecia pelo
nome. Ele era o Pitiu. Rosto de profeta, longa barba grisalha,
chapéu, gravata, paletó de três botões, todos abotoados, botas,
esporas e um guarda-chuva. Aparecia montado na sua égua de cheiro
bom. Era de casa. Chegava na casa da tia América — ah! Como eu
gostaria que a tia América tivesse sido minha avó! Ela era mansa e
gostava de crianças! Sua insuperável habilidade culinária eram os
pastéis. Quando ela fazia pastéis, bacias cheias, a notícia corria
rápida entre os primos: “Tia Merca ta dano pastel!”. O Pitiu
chegava, não batia à porta, puxava o barbante e entrava pela casa.
De verdade, ele era um da casa.
Você
não entendeu o barbante que se puxava? Explico. Não se tinha medo.
Todo mundo era bem-vindo. As casas estavam abertas a quem quisesse.
Em algumas casas a confiança era tanta que para facilitar as coisas
amarrava-se um barbante no trinco da fechadura, no lado de dentro,
que era passado por um orifício na porta e ficava pendente do lado
de fora. Não era preciso bater. Era só puxar o barbante e entrar
gritando “Ô de casa! Ô de casa!”.
Havia
um ar de mistério em torno do Pitiu. Morava sozinho na fazenda que
herdara dos antepassados. Os detalhes da sua vida cotidiana eram
ignorados. Relatava-se que uma vez foi visto de noite, assentado no
pasto, encostado num cupim, lendo um jornal que iluminava com uma
vela. Pode ser verdade, pode não ser. O povo inventa muito.
Mas
algo aconteceu que rompeu a placidez e a monotonia da vida do Pitiu.
Os viajantes que chegavam de jardineira traziam notícias
assombrosas. A revolução estava em marcha. Tinha até aviões
jogando bombas nas cidades. Os paulistas, armados até os dentes, se
aproximavam com toda a sua malvadeza e braveza. Não se sabia aquilo
de que seriam capazes! O medo tomou conta da cidade. Muita gente se
preparou para fugir para os matos. Foi então que dentro daquele
homem pacato, o Pitiu, despertou um general adormecido. Dirigiu-se ao
posto telefônico e, sem pedir licença e sem pedir que a telefonista
fizesse uma ligação, agarrou o telefone e começou a berrar ordens:
“Aqui é José Estanislau de Castro Vinhas. Dinamitem as pontes.
Repito: dinamitem as pontes. É uma ordem”. E desligou o telefone,
ante os olhos espantados da telefonista. Digam o que disserem, o fato
é que funcionou: o Pitiu deu ordens a uma pessoa que não existia
para que dinamitasse as pontes com uma dinamite que não existia e as
tropas paulistas que não existiam foram impedidas de chegar a Boa
Esperança. Passado esse episódio heroico, José Estanislau de
Castro Vinhas voltou a ser o Pitiu que sempre fora. Não houve outras
revoluções que exigissem a sua ação.
Rubem Alves, em O velho que acordou menino
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