sábado, 2 de novembro de 2024

[Para Caresse Crosby] | 9 de dezembro de 1954


Recebi a sua carta da Itália mais ou menos um ano atrás (em resposta à minha). Quero lhe agradecer por ter se lembrado de mim. Ter notícia sua me pôs de pé um tanto.
Ainda está publicando? Se sim, tenho algo que eu gostaria que a senhora visse. E, se está, eu lhe peço um endereço ao qual enviá-lo: não sei como chegar à senhora.
Estou escrevendo de novo, um pouco. [Charles] Shattuck, da Accent, diz que não vê chance de eu conseguir encontrar um editor para o meu material, mas que talvez um dia o “gosto do público emparelhe com você”. Cristo.
A senhora me mandou um panfleto ou maço ou algo em italiano ano passado na sua carta. Cometeu o equívoco de me considerar um homem culto: não consegui lê-lo. Não sou nem mesmo um artista de verdade – sei que sou alguma espécie de farsante – escrevo meio que das entranhas da repugnância, quase inteiramente. Contudo, ao ver o que os outros estão fazendo, vou em frente. O que mais se pode fazer? […]
Este factótum tem outro emprego servil. Eu o detesto, mas tenho dois pares de sapato pela primeira vez na minha vida (gosto de ir ao hipódromo todo embonecado – interpretar o legítimo espectador encostado nas grades). Vivo há 5 anos com uma mulher 10 anos mais velha do que eu. Mas acabei me acostumando com ela, e me sinto cansado demais para sair em busca ou romper.
Por favor me informe o seu endereço editorial caso ainda esteja publicando, e obrigado de novo por ser bondosa o bastante para se lembrar de mim e escrever.

Charles Bukowski, em Escrever para não enlouquecer

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