domingo, 24 de novembro de 2024

Os Nascimentos | 1552 – Valladolid

Já está mandando aquele que sempre serviu

A mulher beija a barra de prata com os lábios, com a testa, com os peitos, enquanto o padre lê em voz alta a carta de seu marido, Juan Prieto, escrita em Potosí. Quase um ano levaram a carta e o lingote para cruzar o oceano e chegar a Valladolid.
Diz Juan Prieto que enquanto os outros gastam seu tempo em bebedeiras e touradas, ele não aparece nas tabernas nem na arena de touros, que em Potosí por qualquer coisinha metem os homens a mão na espada e sopra ali um vento de pó que arruína a roupa e enlouquece os ânimos. Que ele não pensa mais que no regresso à Espanha e que agora manda esta barra grande de prata para que possam ir construindo o jardim onde se celebrará o banquete de boas-vindas.
O jardim haverá de ter um duplo portão de ferro e um arco de pedra largo o suficiente para que passem as carruagens dos convidados à festa. Será um jardim cercado de muros, de altos muros sem nenhuma abertura, cheio de árvores e flores e coelhos e pombas. No centro haverá de ter uma grande mesa com manjares, para os senhores de Valladolid a quem ele tinha servido, anos atrás, como criado. Terá um tapete sobre a grama, junto à poltrona da cabeceira, e sobre o tapete deverão sentar-se sua mulher e sua filha Sabina.
Encarece muito à esposa que não tire o olhar de sua Sabina e não permita que nem o sol a toque, pois por buscar-lhe bom dote e boa boda passou ele todos estes anos nas Índias.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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