quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Cartas na Rua | QUATRO


7

De alguma maneira, depois daquilo o dinheiro se foi e logo deixei as pistas e voltei para o meu apartamento, onde esperei sentado que a licença de noventa dias terminasse. Meus nervos estavam em frangalhos de tanta bebida e ação. Não é novidade essa história das mulheres caírem em cima dos homens. Você pensa que tem espaço para respirar, então olha para o lado e já aparece outra. Fay. Fay tinha cabelos grisalhos e sempre se vestia de preto. Dizia ser um protesto contra a guerra. Mas se Fay queria protestar contra a guerra, por mim tudo bem. Ela era uma espécie de escritora e tinha feito algumas oficinas literárias. Tinha ideias sobre salvar o mundo. Se ela pudesse salvá-lo para mim, isso também seria ótimo. Ela vivia dos cheques da pensão de um ex-marido — eles tiveram três filhos —, e a mãe também lhe enviava alguma grana de vez em quando. Fay não tivera mais que um ou dois empregos ao longo da vida.
Nesse meio-tempo, Janko não diminuíra nem um pouco a capacidade de falar merda. A cada manhã, ele me fazia ir para casa com a cabeça explodindo. Nessa época, eu estava recebendo inúmeras multas de trânsito. Era como se toda vez que eu olhasse pelo espelho retrovisor lá estivessem as luzes vermelhas. Um carro-patrulha ou uma moto.
Certa noite, cheguei tarde em casa. Estava em frangalhos. Pegar a chave e enfiar na fechadura me consumiu o que restava de energia. Entrei no quarto e lá estava Fay na cama lendo a New Yorker e comendo chocolates. Não chegou sequer a me dar um oi.
Fui até a cozinha procurar algo para comer. Não havia nada na geladeira. Decidi tomar um copo d’água. Fui até a pia. Estava transbordando de lixo. Fay gostava de aproveitar potes usados e suas tampas. Os pratos sujos ocupavam metade da pia, e os potes e tampas boiavam na água junto com pedaços de rótulos.
Voltei pro quarto no exato instante em que Fay colocava um chocolate na boca.
Olhe, Fay — eu disse —, sei que você quer salvar o mundo. Mas será que não pode começar lá pela cozinha?
Cozinhas não têm importância — ela disse.
Era difícil bater numa mulher de cabelos grisalhos, então simplesmente entrei no banheiro e comecei a encher a banheira. Um banho fervendo me acalmaria os nervos. Quando a banheira encheu, tive medo de entrar. Meu corpo castigado já tinha, àquela altura, enrijecido tanto que eu tinha medo de me afogar lá dentro.
Fui para a sala e, depois de certo esforço, dei um jeito de tirar minha camisa, calças, sapatos, as meias. Entrei no quarto e ocupei o lugar ao lado de Fay. Eu não encontrava posição. Toda vez que me mexia, era a um custo pesado.
A única hora em que você está sozinho, Chinaski, pensei, é quando está dirigindo para o trabalho ou voltando para casa.
Finalmente encontrei uma posição deitado de bruços. Meu corpo todo doía. Logo estaria de volta ao serviço. Se eu conseguisse dormir, isso ajudaria. De vez em quando, escutava um virar de página, o som de chocolates sendo devorados. Tinha sido uma de suas noites de oficina literária. Se ela ao menos apagasse a luz.
Como foi a oficina? — perguntei com um grunhido.
Estou preocupada com o Robby.
Ah, o que há de errado com ele? — perguntei.
Robby era um cara beirando os quarenta que tinha vivido desde sempre com a mãe. Tudo o que ele escrevia, conforme me informaram, eram histórias terrivelmente engraçadas sobre a Igreja Católica. Robby, de fato, sentava o pau nos católicos. As revistas não estavam prontas para Robby, embora ele tivesse sido publicado uma vez num jornal canadense. Certa vez, eu tinha encontrado Robby em uma de minhas noites de folga. Levei Fay de carro até essa mansão onde todos liam suas coisas uns para os outros.
Ah! Aquele é Robby! — Fay tinha dito —, ele escreve contos engraçados sobre a Igreja Católica!
Ela tinha me apontado o cara. Robby estava de costas para nós. Tinha uma bunda grande, larga e flácida, pendendo dentro das calças frouxas. Será que eles não veem isso?, pensei.
Não vai entrar? — Fay tinha me perguntado.
Talvez na próxima semana...

Fay pôs outro chocolate na boca.
Robby está preocupado. Ele perdeu o emprego na transportadora. Disse que não consegue escrever desempregado. Precisa daquele sentimento de segurança. Disse que não vai conseguir escrever até arranjar outro emprego.
Com o diabo — eu disse —, posso arranjar um emprego para ele.
Onde? Como?
Estão contratando a torto e a direito lá nos Correios. O salário não é mau.
NOS CORREIOS! ROBBY É MUITO SENSÍVEL PARA TRABALHAR NOS CORREIOS!
Desculpe — eu disse —, achei que valia a pena tentar. Boa noite.
Fay não respondeu. Estava furiosa.

Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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