quinta-feira, 25 de abril de 2024

Os sonhos de Astiages

Após quarenta anos de reinado, morreu o rei medo Ciaxares, e sucedeu-o no trono seu filho Astiages. Tinha Astiages uma filha chamada Mandane; sonhou que ela vertia tanta urina que esta cobria toda a Ecbátana e toda a Ásia. Tratou de não deixá-la casar-se com nenhum medo, e deu-a em matrimônio ao persa Cambises, homem de boa família, caráter pacífico e condições medianas. Voltou Astiages a sonhar, e viu que do centro do corpo de sua filha saía uma parreira que cobria toda a Ásia com sua sombra. O significado era claro: o filho dela o substituiria. Mandou sua filha retornar, e quando esta deu a luz, entregou a criança ao seu parente Hárpago para que ele o matasse.
Hárpago sentiu medo e piedade, e entregou o menino ao vaqueiro Mitradates, ordenando-lhe que o matasse. Mitradates tinha Perra por esposa e esta acabara de parir um filho morto. O menino que lhe haviam entregado estava luxuosamente vestido; decidiram fazer a troca, pois também sabiam que era filho de Mandane e assim preservavam seu futuro. O menino cresceu e seus companheiros pastores proclamaram-no rei de seus jogos, e o menino rei se revelou inflexível.
Astiages inteirou-se e obrigou a Mitradates confessar sua origem. Soube da desobediência de Hárpago, mas fingiu perdoá-lo e convidou-o a um banquete, e pediu que lhe entregasse o filho para ser companheiro de seu neto. Durante o banquete fez servir a Hárpago, assados, pedaços de seu filho. Quando soube disso, Hárpago dominou-se. Astiages consultou novamente seus adivinhos, e eles responderam: Se vive, há de reinar; porém como já reinou entre os pastores, não há perigo de que alcance uma nova coroa. Satisfeito, Astiages enviou-o suposto filho de Mitradates aos seus verdadeiros pais, que ficaram felizes em vê-lo com vida. O menino cresceu, fez-se rapaz e jovem guerreiro, e, com a ajuda de Hárpago, destronou Astiages, tratando-o com benevolência. Assim fundou Ciro, o antigo pastor, o império persa, e assim o conta Heródoto no quinto dos Nove Livros da História.

Jorge Luis Borges, in Livro de Sonhos

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