quarta-feira, 17 de abril de 2024

A casa do assassino


Logo depois de passar pelo leito seco do rio, Clay apertou a mão de Michael Dunbar no escuro, e ambos estavam com o coração rugindo nos ouvidos. A terra resfriava. Por um momento, imaginou o rio entrando em erupção naquele momento, só para ter algum barulho, alguma distração. Algum assunto.
Cadê a maldita água?
Mais cedo, assim que se viram, trocaram olhares e viraram o rosto. Foi só a poucos metros de distância que enfim se olharam por mais do que um segundo.
O chão parecia vivo.
A escuridão era definitiva, mas, ainda assim, não havia barulho algum.
Quer ajuda com as malas?
Não, obrigado.
A mão do pai estava úmida e fria de uma maneira desagradável. Os olhos nervosos mal piscavam. O rosto era impassível; ele caminhava com exaustão e mal se ouvia sua voz. E ainda assim Clay conseguia ouvir. Ele a conhecia muito bem.
Quando eles foram para casa e se sentaram no degrau da varanda, o Assassino murchou. Amparou a cabeça nos braços.
Você veio.
Sim, pensou Clay. Eu vim.
Se fosse qualquer outra pessoa, ele teria afagado suas costas, dizendo que estava tudo bem.
Mas com o pai não conseguia.
Sua mente só produzia e reproduzia um mesmo pensamento.
Eu vim. Eu vim.
Dessa vez, isso teria que bastar.

***

Depois que o Assassino se recuperou, ainda passaram um bom tempo sentados ali até entrarem. Quanto mais de perto se olhava, mais incômoda parecia a casa.
Calhas enferrujadas, pintura descascando.
Virulentas ervas daninhas por toda a volta.
Diante deles, a lua brilhava, banhando a entrada deteriorada.
Lá dentro, havia paredes bege e uma forte lufada de vazio; tudo cheirava a solidão.
Vai um café?
Não, obrigado.
Chá?
Não.
Alguma coisa pra comer?
Não.
Ficaram sentados na silenciosa sala de estar. Uma mesinha de centro estava quase desabando sob o peso de livros, diários e plantas da ponte. Um sofá engoliu ambos, pai e filho.
Meu Deus.
Desculpe... Está sendo um choque e tanto, não é?
Tranquilo.
Eles estavam se dando superbem.

***

Por fim, levantaram-se outra vez, e o menino foi levado em um tour pela casa.
Não durou muito, mas era útil conhecer o lugar em que dormiria e saber onde ficava o banheiro.
Vou deixar você desfazer as malas e tomar um banho, se quiser.
Em seu quarto havia uma escrivaninha de madeira, onde ele arrumou todos os livros, um por um. Guardou as roupas no armário e se sentou na cama. Tudo que queria era estar em casa outra vez. Tinha vontade de chorar só de pensar em passar por aquela porta. Ou em se sentar no telhado com Henry. Ou em ver Rory cambaleando pela rua Archer, carregando nas costas as caixas de correio da vizinhança inteira...
Clay?
Ele ergueu a cabeça.
Vem comer alguma coisa.
Sua barriga estava roncando.
Inclinou-se para a frente, com os pés colados ao chão.
Segurou a caixa de madeira, pegou o isqueiro e olhou para El Matador no quinto, para o pregador recém-colhido.
Por diversos motivos, Clay não conseguia se mexer.
Por enquanto não, mas em breve.

Markus Zusak, in O construtor de pontes

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