Súbito
deu-me a consciência um repelão, acusou-me de ter feito capitular a
probidade de Dona Plácida, obrigando-a a um papel torpe, depois de
uma longa vida de trabalho e privações. Medianeira não era melhor
que concubina, e eu tinha-a baixado a esse ofício, à custa de
obséquios e dinheiros.
Foi
o que me disse a consciência; e eu fiquei uns dez minutos sem saber
que lhe replicasse. Ela acrescentou que eu me aproveitara da
fascinação exercida por Virgília sobre a ex-costureira, da
gratidão desta, enfim da necessidade. Notou a resistência de Dona
Plácida, as lágrimas dos primeiros dias, as caras feias, os
silêncios, os olhos baixos, e a minha arte em suportar tudo isso,
até vencê-la. E repuxou-me outra vez de um modo irritado e nervoso.
Concordei
que assim era mas aleguei que a velhice de Dona Plácida estava agora
ao abrigo da mendicidade: era uma compensação. E raciocinei então
que, se não fossem os meus amores, provavelmente Dona Plácida
acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia
deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude, O que não
impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã. A consciência
concordou, e eu fui abrir a porta a Virgília.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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