segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Valorização

Nada disto deve ser valorizado:
I. a transpiração, uma vez que é comum às plantas;
II. a respiração, comum aos animais domesticados e às bestas selvagens;
III. o recebimento de impressões por intermédio das aparências;
IV. ser impulsionado pelo desejo tal como marionetes são impulsionadas pelas cordas;
V. ser reunido em rebanhos;
VI. ser nutrido por alimentos, pois isso significa meramente separar e retirar a porção inútil de nossa comida.
O que, então, vale a pena valorizar? Ser recebido com aplausos?”
Não. Do mesmo jeito, não devemos apreciar o aplauso das línguas, pois o elogio das multidões trata-se disso: línguas aplaudindo.
Supondo que desistiu dessa inutilidade chamada fama, o que de valor resta?”
Na minha perspectiva, isto: mover-se e se restringir conforme a sua própria constituição — fim para o qual todos os esforços e todas as artes conduzem, pois o que foi feito deve se adaptar ao trabalho para o qual foi constituído. O agricultor, que cuida das suas videiras, o adestrador de cavalos e o treinador de cachorros buscam esse fim. A educação e o ensino dos jovens visam algo, e este é seu valor. Se esse for bom, você não buscará mais nada.
Não deixará de valorizar outras coisas? Então não será livre, nem suficiente para sua própria felicidade ou destituído das paixões. Necessariamente, será invejoso, ciumento e desconfiado em relação a quem pode tirar essas coisas de você. Além disso, conspirará contra aqueles que têm o que você valoriza.
Quem aprecia essas coisas se condena a um estado de perturbação e culpa os deuses. Quem honra e reverencia o próprio entendimento está contente consigo mesmo, em harmonia com a sociedade e em concordância com os deuses — louvando tudo o que providenciam e ordenam.

Marco Aurélio, in Meditações

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