terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Pérola negra | Luiz Melodia, 1972


Cartão de visita explosivo de um compositor até então inédito, “Pérola negra” foi apresentada ao mundo durante a temporada de Fa-tal: Gal a todo vapor, no Rio de Janeiro. O revolucionário show dirigido por Waly Salomão (ou Sailormoon, como assinava na época o poeta) estreou em novembro de 1971, no Teatro Tereza Raquel, e logo virou um disco duplo que, quatro décadas depois, continua como um dos melhores e mais influentes de Gal Costa. Entre canções de Caetano, Novos Baianos, Macalé & Waly, Roberto & Erasmo e sambas antológicos de Ismael Silva e Geraldo Pereira, chamou a atenção aquele blues pesado e pungente, digno de uma Billie Holiday, do desconhecido Luiz Melodia, que se transformou num dos hinos do verão louco de 1972. Um sucesso que viraria clássico para qualquer estação e revelaria um de nossos compositores mais originais.
Descoberto por Waly, o artista plástico Hélio Oiticica e o cineasta underground Ivan Cardoso em suas andanças pelas periferias cariocas, Melodia (1951) era um jovem negro do morro de São Carlos, junto ao bairro do Estácio, que cresceu ouvindo tanto o samba quanto a Jovem Guarda, tanto o forró quanto o rock, o blues e o soul. “Pérola negra” é fruto dessa formação sem preconceitos nem limites, e abriu as portas da indústria do disco para o extraordinário cantor e compositor inspirado, que, ainda em 1972, emplacou na voz de Maria Bethânia outra balada arrasadora, “Estácio, Holly Estácio”.
A bela gravação de Gal foi um perfeito lançamento, mas “Pérola negra” ganhou sua versão definitiva como canção-título do disco de estreia de Melodia, em 1973. Em vez da roupagem roqueira de Gal (arranjo do tropicalista Lanny Gordin, mas com a guitarra nas mãos de Pepeu Gomes, que o substituiu no show), na versão do autor a música ganhou uma embalagem luxuosa jazzy & bluesy em clima de big band. Um tratamento mais lírico, centrado na voz rascante e aveludada de Melodia, no piano de Antonio Perna, no baixo de Rubão Sabino e no fraseado dos sopros. A letra é uma cantada meio desesperada do compositor tentando seduzir sua musa, que chama de “Pérola negra”, inspirado pelo nome de guerra de um travesti do morro de São Carlos.
Na verdade, a pérola negra da música brasileira é Luiz Melodia.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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