terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Capítulo 47 | O Recluso

Marcela, Sabina, Virgília... aí estou eu a fundir todos os contrastes, como se esses nomes e pessoas não fossem mais do que modos de ser da minha afeição anterior. Pena de maus costumes, ata uma gravata ao teu estilo, veste-lhe um colete menos sórdido; e depois sim, depois vem comigo, entra nessa casa, estira-te nessa rede que me embalou a melhor parte dos anos que decorreram desde o inventário de meu pai até 1842.
Vem; se te cheirar a algum aroma de toucador, não cuides que o mandei derramar para meu regalo; é um vestígio da N. ou da Z. ou da U. – que todas essas letras maiúsculas embalaram aí a sua elegante abjeção. Mas, se além do aroma, quiseres outra coisa, fica-te com o desejo, porque eu não guardei retratos, nem cartas, nem memórias; a mesma comoção esvaiu-se e só me ficaram as letras iniciais.
Vivi meio recluso, indo de longe em longe a algum baile, ou teatro, ou palestra, mas a mor parte do tempo passei-a comigo mesmo. Vivia; deixava-me ir ao curso e recurso dos sucessos e dos dias, ora buliçoso, ora apático, entre a ambição e o desânimo. Escrevia política e fazia literatura. Mandava artigos e versos para as folhas públicas e cheguei a alcançar certa reputação de polemista e de poeta. Quando me lembrava do Lobo Neves, que era já deputado, e de Virgília, futura marquesa, perguntava a mim mesmo por que não seria melhor deputado e melhor marquês do que o Lobo Neves, – eu, que valia mais, muito mais do que ele, – e dizia isto a olhar para a ponta do nariz…

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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