O
perfeito negociante vende tudo.
Vende
a seda mais fina de Lyon,
o
áspero pano da fábrica da Pedreira,
a
renda de Malines e a do Norte.
Todas
as miudezas de armarinho.
Todos
os gêneros do país.
Chapéus-de-sol
e de cabeça.
Toda
espécie de calçados,
inclusive
o “Andarilho”:
não
produz calos nem os oprime,
sola
impermeabilizada por processo novo,
dispensa
graxas e pomadas.
À
direita uma parede inteira
ostenta
licores importados,
conservas
inglesas, molhos raros
para
os Messers da mina, altos clientes.
(Escondo
por trás dessas riquezas
a
barra de chocolate sonegada
ao
olho distraído do patrão,
e
de longe em longe, disfarçando,
mastigo
este salário extraordinário.)
Ao
fundo, em úmida sombra,
mantas
de toucinho rosa-sal,
caixotes
de milho, barricas de batatas,
sacos
de feijão, ferragens rudes
(enxadas:
curvo destino nacional).
É
provação dominical, antes da missa,
(falta
descobrir a semana inglesa)
tropeçar
os dedos na massa trêmula do porco,
recortar
a facão
e
pesar cinco quilos de gordura.
Por
que escolheste vida de caixeiro,
vida
de cachorro, o trocadilho exato,
quando
podias bem ficar no casarão
em
ocioso bem-bom de filho de Coronel?
Bobagens:
quem explica
as
que a gente faz?
Eu
sei: foi para, em longas horas estagnadas,
em
que ninguém compra, mas conversa
à
beira arranhada do balcão
— as
horas quase todas do comércio —,
discutir
a guerra de 14 que lavra lá no longe
e
em que te empenhas tanto do mau lado.
Não
é fero o patrão.
Decerto
preferia
que
falasses menos, trabalhasses mais.
E
se perceber que o chocolate some,
sem
sabor e fumaça, no papel prateado?
Se
descobrir? Se te pilhar?
Erram
pesadelos de caixeirinho
na
noite gelada montanhesa.
Carlos Drummond de Andrade, in Boitempo – Esquecer para lembrar
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