quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Um doutor

Um doutor veio formado de São Paulo. Almofadinha.
Suspensórios, colete, botina preta de presilhas.
E um trejeito no andar de pomba rolinha. No verbo,
diga-se de logo, usava naftalina. Por caso, era
um pernóstico no falar. Pessoas simples da cidade
lhe admiravam a pose de doutor. Eu só via o casco.
Fomos de tarde no Bar O Ponto. Ele, meu pai e este
que vos fala. Este que vos fala era um rebelde
adolescente. De pronto o Doutor falou pra meu
pai: Meus parabéns Seo João, parece que seu filho
agora endireitou! E meu pai: Ele nunca foi torto.
Pintou um clima de urubu com mandioca entre nós.
O doutor pisou no rabo, eu pensei. Ele ainda
perguntou: E o comunismo dele? Está quarando
na beira do rio entre as capivaras, o pai respondeu.
O doutor se levantou da mesa e saiu com seu
andar de vespa magoada.

Manoel de Barros, in Memórias Inventadas – A segunda infância

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