quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Experiências inesquecíveis

Para nós, meninos daqueles tempos, duas eram as experiências inesquecíveis. A primeira delas era fazer o pião rodar pela primeira vez. Eu olhava os craques, observava como eles faziam, o jeito de enrolar a fieira, o jeito de segurar o pião, o movimento do braço para lançá-lo. Tentava fazer do jeito como eles faziam. Mas não acontecia. O pião não rodava. Até que um dia, por puro acidente, o pião rodou.
A segunda é empinar o papagaio. Lembro-me como se fosse hoje. Era uma manhã limpa e fresca. Eu estava lutando com o meu papagaio, correndo para cima e para baixo no pastinho à frente da minha casa. Ele ameaçava subir mas logo descia balançando o rabo. Eu tinha o papagaio, tinha a linha, mas ainda não havia aprendido a sentir o vento. Quem leva o papagaio às nuvens não é o menino que o solta. É o vento. Não é preciso correr. Vindo o vento, é só soltá-lo e dar linha. Tendo vento, ele vai até as nuvens. O papagaio se tornou para mim um símbolo de liberdade. Até escrevi um livro para crianças sobre o papagaio e a liberdade. Para subir às alturas é preciso que o papagaio tenha alguém que o segure na terra. Sem essa âncora ele cai.
Agosto era mês de seca, mês de frio, mês de ipê amarelo, mês de capim-gordura florido, mês de céu azul, mês de vento, mês de papagaio. No largo do virador, de tarde, juntavam-se meninos e grandes com os seus papagaios. De todos os tipos. Em duas dimensões, os quadrados, losangos, octógonos, com rabo, sem rabo, estrelas. Os em três dimensões só os adultos sabiam fazer, caixas, aviões. Era bom olhar pra cima e ver todos aqueles papagaios de cores diferentes contra o céu azul, conversando uns com os outros. Alguns eram seguros de si mesmos, voavam tranquilos quase sem se mexer. Outros eram nervosos, não paravam, e de vez em quando davam cabeçadas. O Sebinho fazia papagaios enormes, tão grandes que em vez de varetas ele usava bambus. Subiam com a mesma brisa suave que fazia voar os pequenos. Em vez de linha 24 ele usava um barbante grosso. A gente pedia pra segurar o barbante, pra sentir a força. Um navio a vela é um barco que fez amizade com um papagaio.

Rubem Alves, in O Velho que Acordou Menino

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