quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

A freira de barro

[…]
Um monge obeso e peludo levantou-se, fungando.
Tenho uma coisa para mostrar-lhe — disse-me; — você me dirá o que pensa a respeito, você também. Vou buscá-la.
Saiu, as mãos peludas sobre o ventre, arrastando os chinelos de pano, e desapareceu atrás da porta.
Os monges sorriram, maliciosos.
Pater Dométios vai trazer outra vez a sua freira de barro, disse o padre hospitaleiro. O Diabo a tinha metido na terra em sua intenção e um dia em que Dométios cavava o jardim, achou-a. Levou-a para sua cela e desde então o pobre homem perdeu o sono. E não está longe de perder a cabeça.
Zorba levantou-se. Sufocava.
Viemos, para ver o Santo Higumeno — disse ele, — e para assinar uns papéis.
O Santo Higumeno não está — respondeu o padre hospitaleiro; — saiu de manhã, foi até a aldeia. Tenha paciência.
Pater Dométios voltou, as duas mãos estendidas e juntas, como se levasse o santo cálice.
Aqui está! — disse ele, entreabrindo as mãos com cuidado.
Aproximei-me. Uma pequenina estatueta de Tanagra sorria, elegante, semi-nua, nas palmas das gordas mãos do monge.
Segurava a cabeça com a mão que lhe restava.
Ela aponta para a cabeça, isto quer dizer que tem dentro uma pedra preciosa, talvez um diamante, ou uma pérola. Que acha?
Eu cá penso que ela está com dor de cabeça — interrompeu um monge bilioso.
Mas o gordo Dométios, de lábios pendentes como os de um bode, olhava-me impaciente.
Sou de opinião que se deve quebrá-la para ver — disse ele. — não posso mais pregar o olho... e se houvesse lá dentro um diamante?
Eu olhava a graciosa jovem com seus pequeninos seios firmes, exilada aqui, entre o cheiro de incenso e os Deuses crucificados que amaldiçoavam a carne, o riso e o beijo.
Ah! Se eu pudesse salvá-la!
Zorba pegou a estatueta de argila, apalpou o corpo delgado de mulher, demorando os dedos frementes nos seios pontudos e firmes.
Mas, então você não vê, meu bom monge — disse ele, — que é o Diabo? É ele em pessoa, não há como se enganar. Não se inquiete, eu cá conheço bem o maldito. Olhe o seu peito, Pater Dométios, redondo, firme, fresco. É assim o peito do Diabo, eu entendo disso!
Um jovem monge apareceu à entrada. O sol iluminou seus cabelos dourados e o rosto redondo, coberto de penugem.
O monge de língua ferina piscou o olho ao padre hospitaleiro.
Tiveram ambos um sorriso malicioso.
Pater Dométios — disseram, — seu noviço, Gabriel.
O monge pegou logo a mulherzinha de argila e dirigiu-se para a porta, rolando como uma pipa. O belo noviço ia à frente, em silêncio, num passo ondulante. Ambos desapareceram no longo corredor quase em ruínas.
Acenei para Zorba e saímos. Fazia um calor agradável. No meio do pátio recendia uma laranjeira em flor. Perto, de uma antiga cara de carneiro, corria a água, murmurando. Pus a cabeça debaixo e me refresquei.
Diga lá, que tipos são esses aí? — fez Zorba, com nojo. — nem homens, nem mulheres; castrados, puáh! Que se enforquem!
Mergulhou também a cabeça na água fresca e se pôs a rir!
Puáh! Que se enforquem! — repetiu. — tem todos um Diabo dentro deles. Há um que deseja uma mulher; o outro, bacalhau; um outro, dinheiro; outro, jornais... bando de patetas! Por que será que eles não descem para o mundo, para se fartarem de tudo isso e purgarem o cérebro!
Acendeu um cigarro e sentou-se no banco debaixo da laranjeira em flor.
Eu — continuou, — quando tenho desejo de alguma coisa, sabe o que faço? Farto-me até não poder mais, para me livrar e nunca mais pensar nela. Ou então, pensar com náuseas. Quando garoto, era louco por cerejas. Não tinha quase dinheiro, não comprava muitas de cada vez, e depois de ter comido, ainda continuava desejando. Noite e dia eu só pensava em cerejas, com água na boca, um verdadeiro suplício. Mas um dia fiquei com raiva, ou melhor, tive vergonha, não sei bem! Senti que as cerejas faziam de mim o que queriam e isso me tornava ridículo. Então, que faço eu? Levanto-me de noite, sem fazer barulho, vasculho os bolsos de meu pai, acho um medjide (moeda turca) de prata, abafo-o, e, de manhã cedinho, corro a um fruteiro.
Compro um cesto de cerejas, instalo-me numa vala e começo a comer. Fui enchendo, enchendo, estava como um balão. Lá pelas tantas, meu estômago começava a doer e eu vomito. Vomitei, vomitei, patrão, e desse dia em diante, acabei com as cerejas. Não podia mais nem ver pintadas. Mas estava livre. Olhava para elas e dizia: não preciso de vocês! Fiz o mesmo mais tarde com o vinho e o fumo. Ainda bebo. Mas quando quero, hap!, eu corto. Não sou dominado pela paixão. Com a pátria, é a mesma coisa. Tive desejo, fiquei cheio, até aqui, vomitei e me livrei.
E com as mulheres? — perguntei.
A vez delas chegará também, as sujas! Mas, só quando eu tiver setenta anos.
Refletiu um momento. Pareceu-lhe pouco.
Oitenta — corrigiu. — isto faz você rir, patrão, mas não me importo, pode rir! É assim que o homem se liberta, ouça bem o que eu digo, é assim que se liberta: fartando-se de tudo até acima da cabeça, e não se fazendo asceta. Meu velho, com é que você quer se livrar do Diabo se não vira você próprio um Diabo e meio?
Dométios, bufando, surgiu no pátio, seguido pelo jovem monge louro.
A gente diria um anjo encolerizado — murmurou Zorba, admirando a selvageria e a graça do efebo.
Os dois se aproximavam da escada de pedra que levava às celas superiores. Dométios voltou-se, olhou para o fradinho e lhe disse qualquer coisa. O fradinho balançou a cabeça, com se recusasse. Mas logo se inclinou, submisso. Passou o braço nos ombros do velho e subiram lentamente a escada.
Morou? — pergunta-me Zorba. — morou? Sodoma e Gomorra.
Dois monges espreitaram. Piscaram o olho, cochicharam qualquer coisa e se puseram a rir.
Que maldade! — grunhiu Zorba. — os lobos não se comem uns aos outros, mas os monges, sim! Olhe como se mordem uma a outra!
Um ao outro — corrigi eu, rindo.
Meu velho, aqui é a mesmíssima coisa, não quebre a cabeça! Machos, eu lhe digo, patrão! Você pode dizer, segundo seu humor, Gabriel ou Gabriela, Dométios ou Dométia. Vamos embora, patrão, a gente assina logo os papéis e cai fora. Aqui, palavra, acabamos tendo nojo, tanto dos homens quanto das mulheres.
E baixando a voz:
Tenho também um projeto... — disse ele.
Ainda alguma maluquice, Zorba? Você não acha que já fizemos bastante? Vá, diga lá seu projeto.
Zorba encolheu os ombros:
Como lhe dizer isso, patrão! Você, salvo o devido respeito, é um bom homem, um rapaz cheio de atenções para todo o mundo se encontrasse uma pulga fora do cobertor, no inverno, você a punha para dentro, para ela não sentir frio. Como é que pode compreender um velho bandido como eu? Eu cá, quando acho uma pulga, tsak! Esmago. Se acho um carneiro, hap! Corto o pescoço, ponho no espeto e me regalo com os amigos. Você vai me dizer: esse carneiro não é seu! Eu reconheço. Mas deixa primeiro a gente comer, velhinho, e depois se conversa e discute à vontade sobre o seu e o meu. Você pode falar até não querer mais; enquanto isso eu palito os dentes com um fósforo.
No pátio ressoaram risadas. Zaharia apareceu, aterrado. Pôs um dedo nos lábios e aproximou-se na ponta dos pés: — Psiu — fez ele, — não se riam! Olhem, lá em cima, atrás da janelinha aberta, o bispo está trabalhando. É a biblioteca. Ele escreve o dia inteiro, o santo homem, não gritem.
Olhe, eu queria justamente ver você, Pater José — disse Zorba, — pegando-o pelo braço. Vamos até a sua cela, vamos conversar um pouco.
E virando-se para mim:
Enquanto isso, vá visitar a igreja e ver os velhos ícones. Vou esperar pelo Higumeno, ele não deve tardar. Sobretudo não se meta em nada, senão vai dar confusão! Deixe eu agir, tenho cá meus planos.
Falou-me ao ouvido:
Teremos a floresta pela metade do preço... não diga nada!
E lá se foi, precipitadamente, dando o braço ao monge maluco.

Nikos Kazantzakis, in Zorba, o Grego

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