quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Lição de simplicidade

Gabriel García Márquez me contou, muito ofendido, como tinham suprimido em Moscou algumas passagens eróticas de seu maravilhoso livro Cem anos de solidão.
Isso está muito errado – disse eu aos editores.
O livro não perde nada – responderam e eu me dei conta de que o haviam cortado sem má vontade. Mas foi cortado.
Como conciliar estas coisas? Cada vez sou menos sociólogo. Fora dos princípios gerais do marxismo, fora de minha antipatia pelo capitalismo e minha confiança no socialismo, cada vez entendo menos da tenaz contradição da humanidade.
Nós, os poetas desta época, sempre temos que optar. A opção não tem sido um mar de rosas. As terríveis guerras injustas, as contínuas pressões, a agressão do dinheiro, todas as injustiças se têm tornado mais evidentes. Os engodos do sistema decadente têm sido a “liberdade” condicionada, a sexualidade, a violência e os prazeres pagos por cômodas quotas mensais.
O poeta do presente tem buscado uma saída para sua angústia. Alguns têm escapado pelo misticismo ou pelo sonho da razão. Outros se sentem fascinados pela violência espontânea e destrutiva da juventude; passaram a ser imediatistas, sem considerar que esta experiência, no beligerante mundo atual, tem conduzido sempre à repressão e ao sacrifício estéril.
Encontrei em meu partido, o partido comunista do Chile, um grupo grande de gente simples, que tinha deixado muito para trás a vaidade pessoal, o caudilhismo, os interesses materiais. Senti-me feliz de conhecer gente honrada que lutava pela honradez comum, quer dizer, pela justiça.
Nunca tive dificuldades com meu partido, que com sua modéstia conseguiu extraordinárias vitórias para o povo do Chile, meu povo. Que mais posso dizer? Não aspiro senão a ser tão simples como meus companheiros, tão persistente e invencível como eles são. Da humildade nunca se aprende o bastante. O orgulho individualista que se encastela no ceticismo para não ser solidário do sofrimento humano nunca me ensinou nada.

Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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