O telefone toca aqui em casa, atendo, uma
voz de mulher estranhíssima pergunta por mim, e antes que eu tome
providências para dizer que é minha irmã que fala, ela me diz: é
você mesma. O jeito foi eu ficar sendo eu própria. Mas... ela
chorava? ou o quê? Pois a voz era claramente de choro contido.
“Porque você escreveu dizendo que não ia mais escrever romances.”
“Não se preocupe, meu bem, talvez eu escreva mais uns dois ou
três, mas é preciso saber parar. Que é que você já leu de mim?”
“Quase tudo, só faltam A cidade sitiada e A legião
estrangeira.” “Não chore, venha buscar aqui os dois livros.”
“Não vou não, vou comprar.” “Você está bobeando, eu estou
oferecendo de graça dois livros autografados e mais um cafezinho ou
um uísque.” “Então você pode fazer uma coisa por mim –
autografe os dois livros e entregue-os a seu cunhado, dizendo que é
para Maria.” “Maria de quê?” “Só Maria.” “Está bem,
mas não chore mais e cuide dessa gripe.” Pois é, meu Deus.
Depois, através de meu cunhado, soube que se trata de uma médica
(ginecologista) chamada Dra. Maria B. Que depois me mandou as rosas
mais lindas do mundo, que eu misturei com as vermelho-sangue mandadas
por H. M. Minha casa está linda e perfumada, tenho o prazer de ter
feito, com o auxílio dos outros e de minha amiga S. M., um
verdadeiro lar para mim e para os meus filhos.
Quanto às rosas de H. M., que me
telefonou depois para desejar que eu dormisse bem, vieram com um
bilhete muito bonito: “Aqui é a casa de flores. Era só para
confirmar que dona Clarice não está viajando. Não, está aqui em
casa. Obrigado, disse eu vermelho e mal suportando tanto amor
sozinho. (É que acabara de ler A legião estrangeira.)
Obrigado, Clarice Lispector. No momento só preciso que você me
sobreviva. Obrigado também pela minha convicção quanto ao seu amor
por rosas. Agradeço-lhe ainda a certeza que me vem dando de que
existo. Tanto que posso me lembrar de você, sem remorso por ter
mentido ao telefone. A necessidade de oferecer rosas foi minha mas
quero que a alegria seja inteirinha sua.”
Obrigado, H. M. Minha alegria foi tão
completa e tenho tanta confiança na sua, que vou lhe pedir um favor:
ando atrás de rosas brancas em botão para dar a uma amiguinha que
nasceu há dias e cujo nome é Letícia, o que quer dizer, Alegria.
Se você souber onde se encontram, me dê um telefonema, eu agradeço.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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