domingo, 12 de julho de 2020

Apaixonado pelo espaço livre

Em 1883, Alberto Santos-Dumont, aos 10 anos, ainda não vira um balão, mas imitava a invenção dos Montgolfier em miniatura. A partir das ilustrações dos livros, ele fazia pequenos balões de papel e os enchia de ar quente com a chama do fogão. Nas comemorações dos dias santos, ele fazia demonstrações para os trabalhadores do campo. Até mesmo seus pais, que não aprovavam esses experimentos incendiários, não conseguiam esconder o espanto ao ver os montgolfières voarem mais alto que a casa. Ele construiu também um aeroplano pequeno, de madeira, cujo propulsor, chamado na época de “hélice”, era acionado por tiras de borracha enroladas.
Por ter lido Júlio Verne, Alberto estava convencido de que as pessoas já tinham ultrapassado a etapa dos balões de ar quente e haviam voado em aeronaves, também conhecidas como dirigíveis (balões a motor que obedeciam à ação do leme). A família e os amigos tentavam dissuadi-lo dessa ideia. Ele e outras crianças gostavam muito de uma brincadeira. “É um divertimento muito conhecido. As crianças colocam-se em torno de uma mesa e uma delas vai perguntando em voz alta: ‘Pombo voa?’... ‘Galinha voa?’... ‘Urubu voa?’... ‘Abelha voa?’ E assim sucessivamente. A cada chamada todos nós devíamos levantar o dedo e responder. Acontecia porém que de quando em quando gritavam: ‘Cachorro voa?’... ‘Raposa voa?’... ou algum disparate semelhante, a fim de nos surpreender. Se algum levantasse o dedo, tinha de pagar uma prenda.
E meus companheiros não deixavam de piscar o olho e sorrir maliciosamente cada vez que perguntavam: ‘Homem voa?’ É que no mesmo instante eu erguia o meu dedo bem alto, e respondia: ‘Voa!!!!’ Com entonação de certeza absoluta, e me recusava obstinadamente a pagar prenda.
Quanto mais troçavam de mim, mais feliz eu me sentia. Tinha a convicção de que um dia os trocistas estariam do meu lado.”
Alberto só viu um voo tripulado aos 15 anos, em 1888, em uma feira em São Paulo, quando um aeronauta ascendeu num balão esférico e desceu de paraquedas. A imaginação de Alberto inflamou-se:

Durante as compridas tardes ensolaradas do Brasil, ninado pelo zumbido de insetos e pelo grito distante de algum pássaro, deitado à sombra da varanda, eu me detinha horas e horas a contemplar o céu brasileiro e a admirar a facilidade com que as aves, com suas longas asas abertas, atingiam as grandes alturas. E, ao ver as nuvens que flutuavam alegremente à luz pura do dia, sentia-me apaixonado pelo espaço livre.
Assim meditando sobre a exploração do grande oceano celeste, por minha vez eu criava aeronaves e inventava máquinas.
Tais devaneios eu os guardava comigo. Nessa época, e no Brasil, falar em inventar uma máquina voadora, um balão dirigível, seria quase passar por desequilibrado ou visionário. Os aeronautas, que subiam em balões esféricos, eram considerados como profissionais habilíssimos, quase semelhantes aos acrobatas de circo.
Se o filho de um fazendeiro de café sonhasse em se transformar em um êmulo deles, cometeria um verdadeiro pecado social.

Os pais de Santos-Dumont eram conservadores. Eles apoiavam o imperador, cuja estrada de ferro Henrique construíra com tanto empenho. Mas não podiam evitar que a curiosidade do filho o expusesse a todos os tipos de ideologia que lhes desagradava. Quando Alberto estava na usina de beneficiamento de café, apesar de sua timidez, ele ouvia as conversas dos operários sobre o movimento democrático. O jovem Alberto se interessava pouco por política e não escolhera ainda sua profissão — provavelmente não lhe ocorrera que alguém pudesse se tornar um aeronauta ou inventor. No entanto, sabia que, qualquer que fosse sua escolha, ela teria um profundo impacto nas pessoas que o rodeavam. Com certeza, nenhum outro pioneiro da aeronáutica tivera ambições tão grandes uma década antes de começar a voar.
Paul Hoffman, in Asas da loucura

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