Fotograma do filme Monsieur Verdoux (1947), de Charles Chaplin
Eu
era bem pequeno quando soube que seres humanos executavam outros.
Não, não era matar. Sabia que havia muitas mortes assassinas e
guerras. Mas “executar” é um jeito diferente de matar: jeito
científico, frio, legal, morte que tranquiliza a sociedade.
Um
nenezinho de vinte meses... Fora roubado do seu berço, filho do
famoso aviador Charles Lindenberg... Foi encontrado morto e o suposto
criminoso — digo “suposto” porque sua culpa nunca foi provada —
afirmou sua inocência até o fim. Mas a sociedade precisa encontrar
um culpado para se vingar. Toda execução é um ato de vingança.
Depois
— anos da guerra fria, o mundo estava cheio de espiões comunistas
—, um casal de cientistas, os Rosenberg, foi acusado de passar
segredos atômicos para os soviéticos. Foram também mortos na
cadeira elétrica.
Fico
a imaginar o caráter, a alma de uma pessoa que se dedica a inventar
uma máquina que será usada para matar com a bênção do Estado.
Pergunto-me: Sua alma será pura ou assassina? Guillotin, inventor da
guilhotina: sua alma, como seria ela? Ele nunca matou. Não foi um
criminoso. Só criou um instrumento de matar.
Quem
terá tido a ideia de uma “cadeira elétrica”? Terá sido
inventada por uma pura explosão de criatividade individual ou sido
construída por encomenda, por físicos, eletricistas e biólogos?
Imagino
os últimos passos do condenado, as pernas trêmulas, o medo
perpassando cada centímetro do seu corpo... Terminada a caminhada, o
condenado terá de se assentar, e será amarrado para impedi-lo de
qualquer quebra da etiqueta do momento. E a sua cabeça será coberta
com um capuz para proteger as testemunhas do horror de ver o seu
rosto. Que brilho sairá dos seus olhos enquanto seu corpo vai sendo
atravessado por milhares de volts?
O
outro de que me lembro foi Caryl Chessman, que passou muitos anos na
prisão, chegando a diplomar-se em direito. Dessa vez o método foi
outro: o prisioneiro amarrado numa cadeira, as testemunhas do lado de
fora da câmara isolada, pastilhas de cianureto são jogadas dentro
de um ácido. O vapor começa a subir. O condenado prende a
respiração — a respiração será a morte e ele não quer morrer.
Até que o corpo não resiste, respira... A cabeça tomba... Uma
testemunha da execução de Caryl Chessman, que se tornara seu amigo,
relatou que seu último gesto antes da inspiração mortífera foi
uma piscada matreira de olho com um sorriso...
Pergunto:
esse que foi executado hoje é o mesmo que cometeu um crime anos
antes? O condenado no passado não será uma outra pessoa, inocente,
no presente?
A
execução de Teresa Lewis, numa das penitenciárias dos Estados
Unidos, me fez pensar. Execução caridosa, hospitalar, indolor, por
uma injeção letal... Perguntei-me, num impulso de humor negro, se
todas as normas médicas haviam sido obedecidas... Desinfetaram o
lugar onde a agulha ia ser introduzida para evitar alguma infecção?
Sua
execução me fez lembrar uma outra, com que termina um filme de
Charles Chaplin, Monsieur Verdoux (1947)...
Rubem
Alves,
in Pimentas:
para provocar um incêndio, não é preciso fogo
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