segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A batalha das presas


Foi a loba quem primeiro captou o som das vozes dos homens e o choro dos cachorros nos trenós, e foi a loba a primeira a pular para longe do homem acuado no seu círculo de chamas moribundas. O bando relutara em desistir da caça que tinha acossado, e demorou-se ainda por vários minutos, procurando certificar-se dos sons, mas depois eles também se afastaram pela trilha aberta pela loba.
Correndo à frente do bando estava um grande lobo cinza – um de seus vários líderes. Era ele quem dirigia o curso do bando no encalço da loba. Era ele quem dava um rosnado de alerta aos membros mais jovens ou retalhava-os com as presas, quando eles ambiciosamente tentavam ultrapassá-lo. E era ele quem acelerava o passo quando avistava a loba, agora trotando lentamente pela neve.
Ela veio colocar-se ao seu lado, como se fosse o lugar a ela designado, e assumiu o passo do bando. Ele não lhe rosnava, nem lhe mostrava os dentes quando algum pulo da loba a colocava por acaso à sua frente. Pelo contrário, ele parecia bondoso com ela – bondoso demais para o gosto da loba, pois estava sempre querendo correr para o seu lado e, quando se aproximava demais, era ela quem rosnava e lhe mostrava os dentes. Nem achava indigno de sua parte retalhar o ombro do companheiro de vez em quando. Nessas horas, ele não demonstrava medo. Pulava simplesmente para o lado e corria teso para a frente dando vários pulos desajeitados, lembrando pela postura e conduta um namorado envergonhado.
Esse era o seu único problema na condução do bando, mas ela tinha outras dificuldades. A seu outro lado corria um velho lobo macilento, encanecido e marcado com as cicatrizes de muitas batalhas. Ele sempre corria pelo lado direito da loba. O fato de ele ter apenas um olho, o esquerdo, talvez explicasse esse detalhe. Ele também se inclinava a importuná-la, querendo virar a cabeça na sua direção até que o focinho marcado roçasse o corpo, o ombro ou a nuca da loba. Assim como acontecia com o companheiro à esquerda, ela repelia essas atenções com os dentes; mas quando os dois a cortejavam ao mesmo tempo, ela era rudemente empurrada, sendo compelida a afastar os dois enamorados com mordidas rápidas para cada lado e, ao mesmo tempo, manter a dianteira do bando e examinar o caminho que pisava à sua frente. Nessas horas, seus companheiros de corrida mostravam os dentes e rosnavam ameaçadoramente um para o outro. Poderiam ter lutado, mas até o namoro e a rivalidade vinham depois da fome mais premente do bando.
Depois de cada repulsa, quando o velho lobo se desviava abruptamente dos dentes afiados do objeto de seu desejo, ele empurrava com o ombro um jovem lobo de três anos que corria pelo seu lado direito cego. Esse lobo jovem já tinha atingido o tamanho de adulto e, considerando a condição de fraqueza e fome do bando, possuía mais do que o vigor e ânimo médios. Ainda assim, corria com a cabeça emparelhada com o ombro de seu superior de um olho só. Quando se aventurava a ultrapassar na corrida o lobo mais velho (o que era raro), um rosnado e uma mordida o faziam recuar para a sua antiga posição, emparelhada com o ombro do outro. Às vezes, entretanto, ele se deixava ficar para trás, cautelosa e lentamente, e tentava se esgueirar entre o velho líder e a loba. Esse lance provocava uma dupla, até tripla, indignação. Quando ela rosnava o seu desprazer, o velho líder arremetia sobre o lobo de três anos. Às vezes, ela se lançava sobre ele. E, às vezes, o jovem líder à esquerda também atacava.
Nessas horas, confrontado por três conjuntos de dentes selvagens, o jovem lobo parava precipitadamente, voltando a se apoiar nos quadris, as patas dianteiras retesadas, a boca ameaçadora e o pelo eriçado. Essa confusão na frente do bando em movimento sempre causava confusão na retaguarda. Os lobos atrás colidiam com o jovem lobo e expressavam o seu descontentamento dando pequenas mordidas nas suas patas traseiras e flancos. Ele estava criando encrenca para si mesmo, pois a falta de alimento e o pavio curto andam juntos, mas com a fé ilimitada da juventude persistia em repetir a manobra de vez em quando, embora nada conseguisse senão frustração.
Se houvesse alimentos, o namoro e a luta teriam se desenrolado depressa, e a formação do bando teria se desfeito. Mas a situação do bando era desesperadora. Todos estavam magros com a fome duradoura. Corriam com uma velocidade abaixo da normal. Na retaguarda, mancavam os membros fracos, os muito jovens e os muito velhos. Na frente, vinham os mais fortes. Mas todos eram mais esqueletos que lobos de corpos desenvolvidos. Ainda assim, com a exceção daqueles que mancavam, os movimentos dos animais não traíam o esforço e o cansaço. Seus músculos finos pareciam fontes de energia inesgotável. Atrás de cada contração acerada de um músculo, havia outra contração acerada, e mais outra, e mais outra, aparentemente sem fim.
Eles correram muitos quilômetros naquele dia. Correram durante a noite. E o dia seguinte os encontrou ainda correndo. Corriam sobre a superfície de um mundo gelado e morto. Nenhuma vida se agitava. Apenas eles se moviam pela imensa inércia. Apenas eles estavam vivos, procurando outros seres vivos para que pudessem devorá-los e continuar vivos.
Cruzaram divisores de águas pouco elevados e percorreram uma dúzia de pequenas correntes numa região mais baixa, antes de sua busca ser recompensada. Foi então que se depararam com os alces. O primeiro que encontraram foi um grande macho. Ali estava carne e vida, sem ser guardada por fogos misteriosos ou projéteis voadores em chamas. Eles conheciam cascos achatados e chifres palmados, e jogaram ao vento a sua costumeira paciência e cautela. Foi uma luta breve e feroz. O grande macho foi atacado por todos os lados. Ele os rasgou ao meio ou lhes rachou os crânios com golpes rudes dos grandes cascos. Esmagou-os e despedaçou-os nos grandes chifres. Pisoteava-os e afundava-os na neve embaixo dos seus cascos no meio da luta em que chafurdavam. Mas estava condenado de antemão, e caiu com a loba rasgando selvagemente a sua garganta, e com outros dentes cravados por todo o corpo, devorando-o vivo, ainda antes de cessarem os seus últimos golpes ou de ser feito o último estrago.
Havia comida em abundância. O macho pesava mais de trezentos e sessenta quilos – uns bons nove quilos de carne para cada um dos quarenta e tantos lobos do bando. Mas, se podiam jejuar prodigiosamente, eles podiam se alimentar prodigiosamente, e logo alguns ossos espalhados era tudo o que restava do esplêndido animal vivo que tinha enfrentado o bando algumas horas antes.
Houve então muito repouso e sono. De barriga cheia, começou a luta e a briga entre os machos mais jovens, e isso continuou durante os poucos dias que se seguiram, antes de o bando se dispersar. A fome chegara ao fim. Os lobos estavam agora na região da caça e, embora ainda caçassem em bando, caçavam com mais cautela, apartando fêmeas pesadas ou velhos machos mutilados dentre os pequenos rebanhos de alce que encontravam por acaso.
Veio o dia, nessa região de abundância, em que o bando de lobos se dividiu ao meio e partiu em direções diferentes. A loba, o jovem líder à sua esquerda e o velho caolho à sua direita levaram a sua metade do bando para o rio Mackenzie e para o leste através da região dos lagos. A cada dia, o bando diminuía. Dois a dois, macho e fêmea, os lobos desertavam. Ocasionalmente, um macho solitário era expulso pelos dentes afiados de seus rivais. No final restaram apenas quatro: a loba, o jovem líder, o caolho e o ambicioso de três anos.
A essa altura, a loba tinha desenvolvido um temperamento feroz. Todos os seus três pretendentes mostravam as marcas de seus dentes. Mas eles nunca respondiam com outras mordidas, nunca se defendiam do ataque da companheira. Viravam os ombros para as suas mordidas mais selvagens, e com os rabos abanando e passos afetados procuravam aplacar a sua fúria. Mas se eram todos mansidão com ela, eram todos ferocidade uns com os outros. O de três anos tornou-se ambicioso demais na sua ferocidade. Pegou o velho caolho pelo lado cego e rasgou a sua orelha em tiras. Embora o velho grisalho pudesse ver apenas de um lado, contra a juventude e o vigor do outro empregou a sabedoria de longos anos de experiência. Os olhos perdidos e o focinho marcado traziam as evidências da natureza dessa experiência. Ele sobrevivera a muitas batalhas para duvidar por um momento sobre o que fazer.
A batalha começou justa, mas não terminou justa. Não havia como dizer qual teria sido o resultado, pois o terceiro lobo aliou-se ao velho e, juntos, o velho líder e o jovem líder atacaram o ambicioso de três anos e passaram a destruí-lo. O jovem foi atacado nos dois lados pelas presas impiedosas de seus outrora camaradas. Esquecidos os dias em que tinham caçado juntos, a caça que tinham abatido e a fome que tinham sofrido. Isso era coisa do passado. O amor estava próximo – um assunto sempre mais duro e cruel do que conseguir comida.
Enquanto isso, a loba, a causa de tudo, observava sentada bem satisfeita sobre os quadris. A cena até lhe agradava. Esse era o seu dia – e ele não acontecia muito frequentemente –, quando os pelos se eriçavam, as presas batiam nas presas ou cortavam e rasgavam a carne macia, tudo pela sua posse.
E nos jogos do amor, o lobo de três anos, que fizera desta a sua primeira aventura na área, perdeu a vida. Em cada lado de seu corpo, estavam os seus dois rivais. Fitavam a loba, que sorria sentada sobre a neve. Mas o líder mais velho era sábio, muito sábio, tanto no amor quanto na batalha. O líder mais jovem girou a cabeça para lamber uma ferida no ombro. A curva de seu pescoço ficou virada para o rival. Com seu único olho, o mais velho viu a oportunidade. Arremeteu para baixo e fechou as presas. Foi uma longa e dilacerante mordida, e também profunda. Ao entrarem na carne, os dentes romperam a parede da grande veia da garganta. Depois ele se afastou com um pulo.
O jovem líder rosnou terrivelmente, mas seu rosnado suspendeu-se pelo meio, tornando-se uma tosse interrompida. Sangrando e tossindo, já golpeado de morte, ele pulou sobre o mais velho e lutou enquanto a vida lhe fugia, as patas enfraquecendo-se sob seu corpo, a luz do dia obscurecendo nos olhos, os golpes e pulos cada vez mais aquém do alvo.
E durante todo esse tempo a loba continuava sentada sobre os quadris, sorrindo. A batalha a alegrava de um modo vago, pois assim era o namoro na Floresta, a tragédia sexual do mundo natural que só era tragédia para aqueles que morriam. Para os que sobreviviam não era tragédia, mas realização e conquista.
Quando o jovem líder caiu sobre a neve e não se moveu mais, Caolho aproximou-se furtivamente da loba. A sua postura era uma mistura de triunfo e cautela. Ele esperava claramente ser repelido, e ficou também claramente surpreso, quando os dentes da loba não faiscaram de raiva em sua direção. Pela primeira vez, ela o acolheu de maneira gentil. Esfregou o focinho no de Caolho, e até condescendeu em pular, fazer cabriolas e brincar com ele de um modo bem peralta. E ele, apesar de todos os seus anos encanecidos e sábia experiência, comportou-se com igual travessura e até com mais tolices.
Já estavam esquecidos os rivais vencidos e a história de amor escrita em letras vermelhas sobre a neve. Tudo esquecido, exceto em certo momento, quando Caolho parou por um instante para lamber as feridas que coagulavam. Foi então que seus lábios meio que se torceram num rosnado, e o pelo do pescoço e ombros eriçou-se involuntariamente, enquanto ele se agachava um pouco para dar um pulo, as patas agarrando-se espasmodicamente à superfície da neve em busca de um apoio. Mas tudo foi esquecido no momento seguinte, quando saiu pulando atrás da loba, que o atraía arisca para uma corrida pela mata.
Depois disso eles correram lado a lado, como bons amigos que chegaram a um entendimento. Os dias passavam, e eles se mantinham juntos, caçando o alimento, matando e comendo juntos. Depois de um tempo, a loba começou a ficar inquieta. Parecia estar procurando algo que não conseguia achar. Os buracos sob as árvores caídas pareciam atraí-la, e ela passava muito tempo farejando entre as fendas maiores e abarrotadas de neve nas rochas e cavernas das barrancas pendentes. O velho Caolho não estava nem um pouco interessado, mas ele a seguia de boa vontade nessa busca, e quando as investigações em determinados lugares eram extraordinariamente prolongadas, deitava-se e esperava até ela se decidir a continuar.
Não permaneceram num único lugar, atravessaram a região até voltarem ao rio Mackenzie, pelo qual desceram lentamente, deixando-o frequentemente para perseguir alguma caça ao longo das pequenas correntes que nele desembocavam, mas sempre retornando ao rio. Às vezes encontravam por acaso outros lobos, em geral aos pares; mas não havia demonstrações de amistosidade em nenhum dos lados, nenhuma alegria no encontro, nenhum desejo de voltar à formação de bando. Várias vezes encontraram lobos solitários. Eram sempre machos, e insistiam com grande premência em se juntar a Caolho e sua companheira. Disso ele não gostava, e quando ela se colocava ombro a ombro com ele, eriçando o pelo e mostrando os dentes, os ermitões desejosos recuavam, punham o rabo entre as patas e continuavam seu caminho solitário.
Certa noite de luar, correndo pela floresta tranquila, Caolho deteve-se de repente. O focinho levantou, o rabo endureceu, e as narinas se alargaram enquanto ele farejava o ar. Ergueu também uma das patas, como um cachorro. Não estava satisfeito e continuava a farejar o ar, procurando compreender a mensagem que lhe trazia. Uma única fungadela tinha satisfeito a companheira, e ela seguiu adiante para tranquilizá-lo. Embora a seguisse, ele ainda estava em dúvida, e não pôde deixar de dar mais uma parada para estudar cuidadosamente o aviso.
Ela rastejou cautelosamente para a beira da grande clareira no meio das árvores. Por algum tempo permaneceu sozinha. Depois Caolho, rastejando, todos os sentidos alertas, todo o pelo irradiando infinita suspeita, juntou-se à companheira. Ficaram lado a lado, observando, escutando e farejando.
Aos seus ouvidos chegavam os sons de cachorros brigando e lutando, os gritos guturais de homens, as vozes mais agudas de mulheres ralhando, e certa vez o grito estridente e queixoso de uma criança. Com exceção dos imensos volumes das tendas de pele, pouco se podia ver salvo as chamas do fogo quebradas pelos movimentos dos corpos que passavam por perto, e a fumaça subindo lentamente no ar quieto. Mas às suas narinas chegava uma miríade de cheiros do acampamento indígena, trazendo uma história que era em grande parte incompreensível para Caolho, mas cujos detalhes a loba conhecia muito bem.
Ela estava estranhamente perturbada, farejava e farejava com um prazer cada vez maior. Mas o velho Caolho estava em dúvida. Deixava transparecer a sua apreensão e começou a tentar se afastar. Ela virou-se e roçou o pescoço do companheiro com o focinho para tranquilizá-lo, depois considerou o acampamento de novo. Havia um novo anseio na sua face, mas não era o anseio da fome. Ela estava fremindo com um desejo que a instava a seguir adiante, chegar mais perto do fogo, brigar com os cachorros, evitar e driblar os tropeços dos homens.
Caolho movia-se impaciente ao lado dela. A inquietude voltou a tomar conta da loba, e ela teve consciência novamente da necessidade premente de encontrar aquilo que procurava. Virou-se e trotou de volta à floresta, para grande alívio de Caolho, que avançou um pouco até os dois se encontrarem bem dentro do abrigo das árvores.
Enquanto deslizavam pelo caminho em silêncio como sombras, à luz do luar, encontraram um fugitivo. Os dois focinhos abaixaram-se para as pegadas na neve. Eram pegadas muito frescas. Caolho correu à frente cautelosamente, a companheira no seu encalço. As almofadas largas de suas patas estavam bem espalhadas e em contato com a neve pareciam veludo. Caolho percebeu um movimento branco indistinto no meio do branco. Seu caminhar deslizante fora enganosamente rápido, mas nada se comparado com a velocidade com que agora corria. Diante dele, saltava a tênue mancha branca que tinha descoberto.
Corriam ao longo de uma aleia estreita flanqueada por um grupo de jovens abetos. Através das árvores podia-se ver a boca da aleia abrindo para uma vereda iluminada pelo luar. O velho Caolho estava rapidamente alcançando a forma branca fugitiva. Salto a salto, ganhava terreno. Agora estava em cima dela. Mais um pulo e os seus dentes se afundariam na carne branca. Mas esse pulo nunca aconteceu. Alto no ar, bem acima em linha reta, planava agora a forma branca, um coelho que pulava e saltava, executando uma dança fantástica no ar, acima de Caolho, sem pisar na terra nem uma única vez.
Caolho pulou para trás com um bufo de susto repentino, depois encolheu-se na neve e agachou-se, rosnando ameaças a essa coisa amedrontadora que não compreendia. Mas a loba passou tranquilamente por ele. Equilibrou-se por um momento, depois pulou para pegar o coelho dançante. Ela também voou alto, mas não tão alto quanto a caça, e os seus dentes se fecharam vazios com um estalido metálico. Deu outro pulo, e mais outro.
Seu companheiro afrouxara lentamente a posição agachada e a observava. Agora demonstrava desgosto com os repetidos fracassos da loba, e ele próprio deu um grande pulo para cima. Seus dentes se fecharam sobre o coelho, e ele o trouxe consigo de volta à terra. Mas ao mesmo tempo houve um movimento e um estalido suspeito ao seu lado, e seu olho espantado viu um abeto novo inclinar-se sobre ele para atacá-lo. Suas mandíbulas soltaram a presa, e ele pulou para trás a fim de escapar desse estranho perigo, os lábios deixando à mostra os caninos, a garganta rosnando, todo o pelo eriçado de raiva e susto. Nesse momento, o abeto novo retesou o seu galho delgado, e o coelho retomou o voo e sua dança no ar.
A loba estava zangada. Afundou os caninos no ombro do companheiro em sinal de reprovação; e ele, assustado, sem saber o que constituía esse novo ataque, revidou feroz e com um susto ainda maior, cortando o lado do focinho da loba. Que ele se ressentisse da reprovação, foi igualmente inesperado para a loba, e ela pulou para cima do companheiro com rosnados de indignação. Então ele percebeu o seu erro e tentou aplacar a ira da loba. Mas ela passou a puni-lo severamente, até que ele desistiu de todas as tentativas de acalmá-la e rodou num círculo, a cabeça afastada da companheira, os ombros recebendo a punição dos seus dentes.
Nesse meio tempo, o coelho continuava a dançar no ar, acima deles. A loba sentou-se na neve, e o velho Caolho, agora com mais medo da companheira do que do misterioso abeto novo, voltou a pular em busca do coelho. Quando caiu de volta com a presa entre os dentes, não despegou o olho do abeto novo. Como antes, a árvore nova o seguiu de volta à terra. Ele se agachou sob o golpe iminente, o pelo eriçado, mas os dentes ainda segurando firme o coelho. O golpe não sobreveio. O abeto novo continuou inclinado acima da sua cabeça. Quando se movia, o abeto se movia, e ele lhe rosnava por entre as mandíbulas travadas; quando ficava quieto, a árvore ficava quieta, e ele concluiu que era mais seguro continuar quieto. Mas o sangue quente do coelho tinha um gosto bom na sua boca.
Foi a companheira que o livrou do dilema em que se encontrava. Ela tomou-lhe o coelho e, enquanto o abeto novo balançava e oscilava ameaçadoramente acima da sua cabeça, arrancou com calma a cabeça do coelho. Imediatamente o abeto novo subiu no ar e depois disso não criou mais problemas, permanecendo na posição decorosa e perpendicular em que a natureza planejara que crescesse. Então, a loba e Caolho devoraram a caça que o misterioso abeto pegara para eles.
Havia outras trilhas e aleias com coelhos suspensos no ar, e o par de lobos as explorou todas, a loba abrindo o caminho, o velho Caolho seguindo e observando, aprendendo o método de roubar armadilhas – um conhecimento destinado a lhe ajudar em dias futuros.
Jack London, in Caninos Brancos

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