terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Pai e filho

Falei-vos em meu pai. O que eu sou, menos o coração em que minha mãe entrou grandemente, dele nasce quase exclusivamente, como a água que corre da água que já correu. Esta palavra, de que eu uso em mim diminuída, era dele, o maior orador que jamais conheci. Esta cabeça, que eu tenho, não é mais que uma apagada sombra da sua. Esta paixão da liberdade e do direito e da justiça, herdou-ma ele, a mais justa das almas, o mais irredutível liberal que eu nunca vi, liberal à inglesa e à americana. O amor da pátria, a intransigência da honra, a firmeza da vontade, o culto dos princípios, o desprezo dos perigos, o fundo religioso do sentimento e das ideias, isso tudo é seu. De modo que, a cada passo da minha vida, o que eu sinto dentro no mais íntimo de mim mesmo, é meu pai. Ele não morreu: em mim vive, e reviverá, enquanto alguma coisa de mim restar.
Rui Barbosa, in Antologia

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