domingo, 29 de dezembro de 2019

Nós aqui não queremos esses Okies danados

Rosa de Sharon cerrou os olhos. A mãe deitou-se de costas e cruzou as mãos sob a cabeça. Ficou atenta à respiração da avó e à respiração da filha. Tirou uma mão de sob a cabeça para espantar uma mosca que pousara em sua fronte. O acampamento estava em silêncio no calor ardente, e os ruídos na relva quente, o canto dos grilos e o zum-zum das moscas eram ruídos que caíam bem no silêncio. A mãe suspirou profundamente e fechou os olhos. Semiadormecida, ela ouviu passos que se aproximavam, mas somente acordou totalmente quando uma voz masculina soou alta:
Quem é que taí?
A mãe sentou-se rapidamente. Um homem de rosto moreno surgiu à porta da tenda e olhou para dentro. Calçava botas, culotes e camisa cáqui com dragonas. Do cinto de couro largo pendia um revólver no coldre, e ostentava uma grande estrela de prata no lado esquerdo do peito. Trazia um boné militar tombado para trás. Tamborilava com os dedos no pano da tenda e a lona ondeava e vibrava qual um tambor.
Quem está aí dentro? — tornou a perguntar.
Que é que o senhor deseja? — a mãe perguntou.
Que é que a senhora acha que eu posso desejar? Quero saber quem tá aí dentro.
Ora, só nós três. Eu, minha filha e a avó.
E onde estão os homens?
Eles foram se lavar aí no rio. A gente andou viajando a noite toda.
Vêm de onde?
De perto de Sallisaw, estado de Oklahoma.
Bem, não podem ficar aqui.
Nós queremos sair daqui de noite, pra atravessar o deserto.
É o melhor que têm a fazer. Se amanhã de manhã ainda estiverem aqui irão todos pra cadeia, ouviu? Não queremos vocês aqui.
A mãe corou de raiva. Devagar, ela se pôs em pé e pegou uma frigideira de ferro.
Escuta, moço — disse ela. — O senhor tem uma estrela no peito e um revólver, mas isso pra mim não serve de nada. Lá, de onde eu venho, gente assim costuma falar delicado, ouviu? — Ela avançou, empunhando a frigideira. Ele afrouxou a arma no coldre. — Vá saindo — disse a mãe. — Sim, senhor! Assustando mulheres. Inda bem que os homens não estão aqui. Você ia ver! Na minha terra gente como você tem muito cuidado com a língua.
O homem deu dois passos para trás.
Mas agora você não está na sua terra, tá compreendendo? Está é na Califórnia, e nós aqui não queremos esses Okies danados que nem você.
A mãe estacou, hirta:
Okies? — disse ela baixinho. — Okies?
É, Okies! E se vocês amanhã ainda tiverem aqui, vão passar mal. Boto todos na gaiola. — Virou as costas, saiu e foi até a próxima tenda e bateu na lona com a mão aberta. — Quem taí dentro? — falou.
A mãe foi voltando com vagar. Recolocou a frigideira no caixote. Tornou a sentar-se, lentamente. Rosa de Sharon observava-a disfarçadamente. E quando viu seus traços alterados, cerrou os olhos, fingindo adormecer.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

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