quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Parto e pranto

Soube o que era chorar
quando Amélia,
no funeral do irmão,
em lágrimas se desabotoou.

Rosto desprotegido,
mãos em desmaio,
aquele pranto fazia inexistir
as tristezas todas do mundo.

Não era compaixão
o que no peito me doía.

Invejava nela a fraqueza,
a coragem desse desamparo.

Não invejes, meu filho, disse minha mãe.
Chorar assim, só uma santa.

Aquelas lágrimas
eram para Deus: não havia chão para as receber.

No regresso a casa,
a minha mão estremeceu, indefesa,
sobre o ombro de Amélia.
E como era extenso o ombro de Amélia.

Meu trêmulo dedo
a lágrima enxugou.

Ela me olhou,
com modos de ausência.

A sua voz era uma brisa
no dizer da surpresa: chorei, eu?

A tristeza mais triste
é dos que nem sabem que choram.
Mia Couto

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