Acho
que já contei essa história. Não tenho certeza. Minha memória me
trai. De qualquer forma, as repetições são bem-vindas. Todo
compositor repete os seus temas. Tudo o que comove deve ser repetido.
Foi assim. Passava diariamente à frente da minha casa uma moça.
Teria seus vinte anos. Ela tinha um defeito na sua perna, o que a
fazia mancar. Da janela da minha casa, protegido pelas cortinas, eu a
observava. Seu rosto era bonito. E me dava uma vontade imensa de
atravessar a rua, ir até ela e lhe dizer: “Acho você muito
bonita...”. E, sem esperar resposta, voltar depressa para minha
casa. Nunca o fiz, por medo. Medo de que ela não me entendesse. Fico
a pensar: “Por que temos medo de dizer a uma pessoa que gostamos
dela?”. Minha mãe, imagino que ela gostasse de mim. Mas ela nunca
me disse. Nem o meu pai. Teria sido tão bom se ela me abraçasse e
dissesse: “Meu filho, como eu gosto de você!”. Dirão que não é
preciso. Discordo. É preciso. Escrevi uma carta para meu irmão mais
velho que começava assim: “Meu querido irmão Ismael...”. Ele me
respondeu espantado: “É a primeira vez na minha vida que alguém
me chama de querido”. E ele já estava nos seus 75 anos de idade!
Resolvi que não vou ficar atrás da cortina, espiando. Quando gosto,
eu digo.
Rubem
Alves, Do universo à jabuticaba
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