O
rapaz vinha passando num Cadillac novo pela avenida Atlântica. Vinha
despreocupado, assoviando um blue, os olhos esquecidos no asfalto em
retração. A noite era longa, alta e esférica, cheia de uma paz
talvez macabra, mas o rapaz nada sentia. Ganhara o bastante na roleta
para resolver a despesa do cassino, o que lhe dava essa sensação de
comando do homem que paga: porque tratava-se de um “duro”, e era
o automóvel o carro paterno, obtido depois de uma promessa de fazer
força nos estudos. O show estivera agradável e ele flertara com
quase todas as mulheres da sua mesa. A lua imobilizava-se no céu,
imparticipante, clareando a cabeleira das ondas que rugiam, mas como
que em silêncio.
De
súbito, em frente ao Lido, uma mulher sentada num banco. Uma mulher
de branco, o rosto envolto num véu branco, e tão elegante e bonita,
meu Deus, que parecia também, em sua claridade, um luar dormente. O
freio de pé agiu quase automaticamente e a borracha deslizou,
levando o carro maneiroso até o meio-fio, onde estacou num rincho
ousado. Depois ele deu ré, até junto da dama branca.
-
Sozinha a essas horas?
Ela
não respondeu. Limitou-se a olhar serenamente o rapaz do Cadillac,
com seu olhar extraordinariamente fluido, enquanto o vento sul
agitava-lhe docemente os cabelos cor de cinza.
-
Sabe que é muito perigoso ficar aqui até estas horas, uma mulher
tão bonita?
A
voz veio de longe, uma voz branca, branca como a mulher, e ao mesmo
tempo crestada por um ligeiro sotaque nórdico:
-
Perdi a condução... Não sei... é tão difícil arranjar
condução...
O
rapaz examinou-a já com olhos de cobiça. Que criatura fascinante!
Tão branca... Devia ser uma coisa branca, um mar de leite, um amor
pálido. Suas pernas tinham uma alvura de marfim e suas mãos
pareciam porcelanas brancas. Veio-lhe uma sensação estranha, um
arrepio percorreu-lhe todo o corpo e ele se sentiu entregar a um sono
triste, onde a volúpia cantava baixinho. Teve um gesto para ela:
-
Vem... Eu levo você...
Ela
foi. Abriu a porta do carro e sentou-se a seu lado. Fosse porque a
madrugada avançasse, a noite se fizera mais fria e, ao tê-la
aconchegada - talvez emoção - o rapaz tiritou. Seus braços eram
frios como o mármore e sua boca gelada como o éter. Vinha dela um
suave perfume de flores que o levou para longe. Ela se deixou,
passiva, em seus braços, entregue a um mundo de beijos mansos.
Quando
a madrugada rompeu, ele acordou do seu letargo amoroso. A moça
branca parecia mais branca ainda, e agora olhava o mar, de onde vinha
um vento branco. Ele disse:
-
Amor, vou levar você agora.
Ela
deu-lhe seus olhos quase inexistentes, de tão claros:
-
Em Botafogo, por favor.
Tocou
o carro. A aventura dera-lhe um delírio de velocidade. Entrou pelo
túnel como um louco e fez, a pedido dela, a curva da General
Polidoro num ângulo quase absurdo.
-
É aqui - disse ela em voz baixa.
Ele
parou. Olhou para ela espantado:
-
Por que aqui?
-
Eu moro aqui. Venha me ver quando quiser. Muito obrigada por tudo.
E
dando-lhe um último longo beijo, frio como o éter, abriu a porta do
carro, passou através do portão fechado do cemitério e
desapareceu.
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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