Bem,
meu 71º ano foi um ano muito produtivo. Provavelmente escrevi mais
palavras este ano do que em qualquer ano da minha vida. E, apesar de
um escritor ser um mau juiz do seu próprio trabalho, ainda tenho a
tendência de acreditar que estou escrevendo melhor do que antes –
quero dizer, tão bem quanto nos meus períodos de auge. Este
computador, que comecei a usar em 18 de janeiro, tem muito a ver com
isso. Simplesmente é mais fácil escrever, a palavra é transferida
mais rápido do cérebro (ou de onde quer que venha) aos dedos e dos
dedos ao monitor, onde fica visível imediatamente – nítida e
clara. Não é uma questão de velocidade em si, é uma questão de
fluxo, um rio de palavras e, se as palavras forem boas, deixe que
elas fluam com facilidade. Chega de carbonos, chega de reescrever.
Antes, eu precisava de uma noite para escrever e a noite seguinte
para corrigir os erros e a bagunça da noite anterior. Erros de
ortografia, de tempos verbais etc. podem agora ser todos corrigidos
na cópia original sem ter que datilografar tudo de novo, escrever
por cima ou rasurar. Ninguém gosta de ler uma cópia rabiscada, nem
mesmo o escritor. Sei que tudo isso pode parecer frescura e excesso
de zelo, mas não é, tudo o que faz é deixar que a força ou sorte
que você possa ter criado surja claramente. É para seu bem,
realmente, e se é assim que você perde sua alma, sou totalmente a
favor.
Houve
alguns momentos ruins. Lembro de uma noite, depois de escrever por
umas quatro horas, que achei que tinha tido uma sorte incrível
quando – bati em alguma coisa – houve uma descarga de luz azul e
as várias páginas que tinha escrito desapareceram. Tentei de tudo
para trazê-las de volta. Simplesmente desapareceram. Sim, eu tinha
posto em “Salvar tudo”, mas não fez diferença. Isto já tinha
acontecido outras vezes, mas não com tantas páginas. Vou te contar,
foi a mais terrível das sensações quando as páginas
desapareceram. Pensando bem, já perdi três ou quatro páginas da
minha novela outras vezes. Um capítulo inteiro. O que fiz foi
simplesmente escrever tudo de novo. Quando você faz isso, você
perde alguma coisa, pequenos detalhes não voltam, mas você também
ganha alguma coisa, porque quando você reescreve você deixa de fora
partes de que não gostou muito e acrescenta partes que são
melhores. E daí? Bem, daí é que é uma longa noite. Os passarinhos
já acordaram. Minha mulher e os gatos acham que fiquei louco.
Consultei
alguns especialistas sobre a “luz azul”, mas nenhum conseguiu me
dizer nada. Descobri que a maioria dos experts em computador
não são muito espertos. Acontecem coisas confusas que não estão
nos livros. Acho que sei uma coisa que poderia ter recuperado o
trabalho depois da “luz azul”...
A
pior noite foi quando sentei no computador e ele ficou completamente
maluco, mandando bombas, sons estranhos e altos, momentos de
escuridão, treva mortal, tentei, tentei e não consegui fazer nada.
Daí, reparei no que parecia ser um líquido que tinha endurecido
sobre a tela e ao redor da abertura perto do “cérebro”, a
abertura onde se colocam os disquetes. Um dos meus gatos tinha mijado
no computador. Tive que levar para a loja de computadores. O mecânico
tinha saído e quando um vendedor retirou uma parte do “cérebro”
um líquido amarelo espirrou sobre a sua camisa branca e ele gritou
“mijo de gato!”. Coitado. Coitado. De qualquer forma, deixei o
computador. A garantia não cobria nenhum dano por mijo de gato.
Tiveram que tirar, praticamente, todas as entranhas do “cérebro”.
Levaram oito dias para consertá-lo. Durante este período, voltei à
minha máquina de escrever. Era como tentar quebrar pedras com as
mãos. Tive que aprender a datilografar de novo. Tinha que ficar
bêbado para conseguir que as palavras fluíssem. E, mais uma vez,
era uma noite para escrever e outra para arrumar. Mas ainda bem que a
máquina estava lá. Ficamos juntos por mais de cinco décadas e
tivemos ótimos momentos. Quando peguei o computador de volta, foi
com certa tristeza que recoloquei a velha máquina no seu canto. Mas
voltei ao computador e as palavras voaram como pássaros
enlouquecidos. E não houve mais nenhuma luz azul e palavras que
desapareciam. Estava ainda melhor. O gato ter mijado no computador
arrumou tudo. Só que agora, quando saio do computador, cubro-o com
uma grande toalha de praia e fecho a porta.
Sim,
esse tem sido meu ano mais produtivo. O vinho fica melhor se for
envelhecido adequadamente.
Não
estou competindo com ninguém, não tenho ilusões com a
imortalidade, não estou nem aí pra ela. É a AÇÃO enquanto você
está vivo. Os partidores se abrindo na luz do sol, os cavalos
mergulhando na luz, todos os jóqueis, bravos e pequenos diabos em
sua seda brilhante, indo fundo, fazendo acontecer. A glória é o
movimento e a audácia. Que a morte se foda. É hoje e hoje e hoje.
Sim.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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