quarta-feira, 27 de março de 2019

Pantera negra


A lembrança do orangotango Rango é outra imagem tema, que vem das ondas. Em Medán, Sumatra, bati algumas vezes na porta do arruinado jardim botânico. Para meu assombro, era ele quem vinha sempre abrir. De mãos dadas, percorríamos um caminho até sentar-nos numa mesa que ele golpeava com as mãos e os pés. Aparecia então um criado que servia uma jarra de cerveja, nem pequena nem grande, boa para o orangotango e para o poeta.
No zoológico de Cingapura víamos o pássaro-lira dentro de uma jaula, fosforescente e colérico, esplêndido em sua beleza de ave recém-saída do éden. E mais além passeava em sua jaula uma pantera negra ainda cheirando à selva de onde veio. Era um fragmento curioso da noite estrelada, uma faixa magnética que se agitava sem cessar, um vulcão negro e elástico que queria arrasar o mundo, um dínamo de força pura que ondulava; e dois olhos amarelos, certeiros como punhais, que interrogavam com seu fogo, que não compreendiam nem a prisão nem o gênero humano.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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