Naquela
manhã, acordou disposto a só contar mentiras. A não dizer uma
única verdade. A ninguém. Nem à própria mulher. Assim, quando
afirmou: “Vou para o trabalho”, empregou a primeira mentira. Não
ia. Tinha resolvido faltar, esquecer o escritório, a mesa, os
papéis. Parar, ficar na rua.
Quando
disse bom-dia para o zelador do prédio, também mentia, porque
odiava o zelador, um oportunista, que não conservava o prédio,
fazia fofocas entre empregadas, pedia gorjetas, ganhava porcentagem
na compra de materiais de limpeza.
Quando
disse o endereço ao motorista do táxi, também mentia, não
pretendia ir para aquele lugar. O chofer exigira o destino porque as
pessoas vivem exigindo coisas. E nem sempre temos vontade ou
possibilidade de satisfazer. As exigências crescem e se tornam parte
de nossa vida diária. Nos acostumamos com elas, nos acomodamos, sem
perceber que cada concessão é um pedaço da gente mesmo,
envenenado, que a gente engole.
Quando
o homem entrou no bar e pediu café, mentia, não queria café.
Estava apenas fazendo um teste, enquanto observava o gesto maquinal
do empregado que destacava uma ficha e a entregava. Será que o
funcionário, alguma vez, imaginou que alguém pudesse não querer
café? Pedir, por pedir, não querer? Nem sequer desejar ver a xícara
fumegante?
Com
a ficha na mão, saiu pela rua. Outra mentira, não queria ficar na
rua. Se entrasse no escritório, seria mentira maior. Odiava o
escritório, o emprego, os colegas. De duas mentiras, preferiu a
menor, ainda que, ponderando, descobrisse que, ficar com a mentira
menor era igualmente fuga, mentira, porque nesse dia tinha decidido
mentir. E quando se decide uma coisa, o melhor é levá-la até o
fim.
Andou.
Pensando como a cidade era bonita com seus prédios batidos de sol e
os vidros dando mil reflexos. Bonita com a gente que andava apressada
para trabalhar e construir alguma coisa. Bonita na tranquilidade da
vida, no sossego das casas, na calma que se estampava nos rostos das
gentes. Bonita no que oferecia de futuro e de perspectivas. Bonita
nos carros que andavam em fila, um atrás do outro, sempre para a
frente, sempre para a frente. Bonita na fumaça negra que escapava
dos veículos e subia em espirais, milhares de fumaças reunidas,
formando uma bela nuvem negra, como um negro véu, que surgia sobre a
terra, empanando o céu.
Andou,
sem querer andar.
Viu,
sem querer ver.
Sentiu,
sem querer sentir.
Cansou,
sem querer cansar.
Tudo
uma grande mentira neste dia. Como mentira era a vida que ele vivia,
falsificada, pré-fabricada, exaurida, imposta. Suada. Que repousante
era viver este dia da mentira. Negar tudo. Reviver.
Andou
até a hora de voltar para casa. Outra mentira, não queria voltar
para casa, o lar, o aconchego, o refúgio, a fuga. A verdade de sua
vida encerrada entre aquelas quatro paredes, a família, o amor, o
carinho, o aconchego, o lar, o refúgio, a fuga, a realidade.
Não
voltar, e andar. Percorrendo ruas, entrando nos prédios, conversando
com pessoas. No entanto, não tinha vontade de conversar. Sabia que
precisava, mas não tinha vontade de falar. Falava pouco, sua língua
andava entorpecida, sem prática. O medo é que um dia desacostumasse
e perdesse a capacidade de se comunicar. Como andava difícil se
comunicar. Ficou parado na esquina, esperando a noite passar.
Quando
o dia chegou, tinha acabado o período da mentira, podia enfrentar de
novo a verdade. E disse bom-dia ao porteiro, deu o endereço ao
motorista do táxi, ligou para a mulher e o patrão. Disse no emprego
que estava doente. E, na verdade, estava.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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