domingo, 11 de novembro de 2018

Vassouradas

O casal desenvolvera um método para se comunicar de longe nas reuniões sociais. Quando ele esfregava o nariz queria dizer “vamos embora”. Quando ela puxava o lóbulo da orelha esquerda queria dizer “cuidado”, geralmente um aviso para ele mudar de assunto. Puxar o lóbulo da orelha direita significava “você já bebeu demais”.
Naquela noite houve uma confusão nos sinais. Mais tarde, em casa, ela gritava:
Você não me viu quase arrancar a orelha esquerda, não?
Vi, e parei de beber.
Orelha esquerda não é parar de beber. Orelha esquerda é mudar de assunto!
Confundi, pronto.
Ele não entendera o sinal e continuara a contar, às gargalhadas, um caso que ouvira. O caso das vassouradas.

* * *
Acontecera durante o carnaval. A mulher tinha ido visitar parentes em Vitória, mas voltara antes do combinado e cruzara na porta de casa com o marido, que saía vestindo um sarongue. Se não estivesse de sarongue ele teria inventado uma história para justificar sua saída de casa àquela hora, numa terça-feira gorda. A súbita vontade de comer um pastel, alguma coisa assim. O sarongue inviabilizava qualquer desculpa. Um sarongue não se disfarça, não se explica, não se nega. O sarongue está no limite da tolerância e do diálogo civilizado. E como o diálogo era impossível, a mulher partira para a agressão. Buscara uma vassoura dentro da casa. E correra com o homem para dentro de casa a vassouradas. A vassouradas!

* * *
Você não sabia que foi com eles que aconteceu? Com os donos da casa? — gritou a mulher. E completou: — Seu panaca!
Como é que eu ia saber? Me contaram a história mas não disseram quem era!
E eu puxando a orelha feito doida.

* * *
Mais tarde, na cama, ele racionalizou:
Bem feito.
O quê?
Pra ela. Não se bate num homem com uma vassoura.
Ah, é? E o sarongue?
Não interessa. Nada justifica a vassourada.
Sei não...
Podia bater. Podia pedir divórcio. Mas vassourada, não.
O seu tom era o de quem estabelece um dogma. Um mandamento para todos os tempos. Botar o marido para dentro de casa a vassouradas feria a dignidade básica de todos os homens, mesmo os de sarongue.
Aí a mulher disse que o mal já estava feito e que só precisavam repassar o código para que coisas como aquela não acontecessem mais.
Luís Fernando Veríssimo, in Amores veríssimos

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