quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Os homens que contavam

Estava contando os dedos, para saber se tinha cinco ou seis, quando viu, no banco à sua frente, um homem contando os cabelos. Observou quietamente. Duas horas depois percebeu que o homem parecia aborrecido, sacudindo a cabeça, desanimado.
O que foi, perdeu a conta?
Perdi. Viu só? Tinha chegado ao 4.657 e me confundi com dois fios brancos. Preciso começar tudo de novo. – Tive sorte. A mim coube apenas contar os dedos.
Mais sorte teve um amigo meu. Ele precisa contar quantas bocas tem.
Você não acha uma bobagem essa nova lei de recenseamento total?
Acho. Principalmente porque estou perdendo um tempo desgraçado. Sabe há quanto tempo tento contar os cabelos? Seis semanas. Outro dia, consegui terminar. Acontece que era sexta-feira e as repartições estavam fechadas. Você sabe que elas funcionam um dia da semana, durante trinta e sete segundos? Daí, a fila diante do guichê é fenomenal. Na última vez que estive lá, tinha oito quilômetros de extensão. E esta fila é apenas daqueles que têm de contar os cabelos. Fiquei lá, com minha mulher levando marmitas e cobertores. Foi aí que descobri o problema. O meu cabelo estava caindo. Quer dizer que quando chegasse a minha vez diante do guichê, o número estaria errado. Se eu fosse escolhido para verificação, estaria perdido. Saí da fila e fui fazer tratamento. Gastei muito até conseguir o preparado que me conservasse o cabelo por algum tempo. Aí, o prazo estava esgotado. Paguei a multa. Doze salários mínimos, divididos em setenta e duas prestações na Tabela Price. Agora, estou contando outra vez, para me apresentar no dia quinze. E você? Contou todos os dedos?
Já. São dez nas mãos e dez nos pés. Cinco para cada mão. Cinco para cada pé. O problema é que o funcionário sempre tenta fazer com que a gente caia em contradição. Outro dia, um primo voltou da repartição muito confuso. Quase chorando. Tinha apresentado o seu relatório de dedos, confirmado por testemunhas. O homem do guichê verificou as testemunhas e descobriu que uma delas tinha ficha negra no serviço de proteção ao crédito. Daí, não podiam confiar em alguém condenado por mentira ao comércio. O relatório foi invalidado. Quando o meu primo voltou, o funcionário desconfiado pediu para ele apresentar mãos e pés. Descobriu uma verruga junto ao indicador esquerdo e perguntou:
O que é isto?
Uma verruga.
Não seria um dedo deformado?
Não! É uma verruga.
Quem sabe é o princípio de um novo dedo?
Não é. É uma verruga. Tenho há anos.
Você precisa de um certificado do Dr. Schol, provando que é verruga.
Onde consigo?
Nas lojas do Dr. Schol. Todas têm nossos formulários.
No entanto, você precisa ver as filas diante das lojas do Dr. Schol, uns provando que têm verrugas e não dedos, outros para certificar-se de que possuem calcanhar, e assim por diante. Tenho a impressão de que este recenseamento vai durar uma eternidade. Eles são muito rígidos.
Dizem que é necessário. Estão fazendo o levantamento total do país.
Para quê?
Não me pergunte! O melhor, hoje, é a gente saber pouco.
Saiu pela praça, onde as pessoas contavam bancos, folhas de árvores, postes, folhas de grama, flores, lâmpadas, cartazes, bancas de frutas, olhos, pernas, cabeças, ônibus, carros amarelos, carros brancos, carros de cada cor, bolinhas de vidro, doces nas vitrinas, gritos, apitos, sussurros, assobios, murmúrios, risos, palavras, arrotos, jornais, letras, sapatos, camisas amarelas, camisas brancas, camisas de cada cor, calças, cidades, estados, países, continentes, estrelas, planetas, galáxias, universos.
Ignácio de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas

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