Era um sujeito
grandalhão, desajeitado e com um nome desses que, embora simples,
ninguém decora. Vinha de Campos pra uma casa de cômodos no Estácio.
Temia o Estácio e as histórias de malandragem. Mais do que tudo
tinha medo que descobrissem sua falta de assunto, seu permanente
mal-estar diante das pessoas, seus gestos descontrolados que
derrubavam jarros, derramavam copos, atingiam crianças. Passava
pelas rodas reunidas na porta dos butecos com uma certeza massacrante
da própria inferioridade. Pra ele, aqueles homens de cigarro no
canto da boca sem se queimar, de programa de corrida de cavalos nas
mãos ágeis, dedos sujos de giz de sinuca, bigodes cuidadosamente
aparados, de olhares ávidos e experientes pra bunda das mulheres -
aqueles homens eram heróis. Sentia diante deles a mesma timidez, o
mesmo constrangimento, a mesma dor indecifrável que experimentara em
sua cidade natal, ao ouvir as histórias do Seu Rocha, o ex-pracinha.
Nos butecos do
Estácio todos eram, com certeza, ex-pracinhas. Só ele ainda não
havia lutado sua grande guerra, só ele não tinha nada pra contar
sobre as batalhas, só ele não havia feito as quase eternas
camaradagens.
Muito pior do que
se achar um merda, podem crer, era o terror do apelido. Porque
aqueles caras espertos, cheios de chinfra, mais cedo ou mais tarde
iam botar nele um apelido devastador, asfixiante, mortal.
Seu pânico o
aproximou mais é mais dos recantos escuros dos bares vazios, onde
bebericava uma cerveja, à espreita de alguma sacanagem, ouvidos
atentos às evasivas de duplo sentido, torturado pelos risos às suas
costas.
Um dia, na sexta
cerva, ouviu uma frase sobre futebol:
- Valter Marciano
foi dos nossos primeiros jogadores a brilhar na Itália.
Mancada é sempre
comovente, ainda mais se o sujeito é vascaíno. Surpreso com a
própria coragem, corrigiu o baixinho que chutara pra fora:
- Válter Marciano
foi, de fato, um ídolo. Só que na Espanha. Morreu lá, num acidente
de automóvel.
Foi olhado com
espanto. Um mulato de óculos escuros disse que tava certo e
perguntou se ele lembrava a linha de 56.
- Sabará, Livinho,
Vavá, Válter e Pinga numa das últimas partidas, se não me engano.
Sabará foi substituído por Lierte, com i. Não confundir com
Laerte, que jogava no meio e era, por sua vez, substituído por Écio.
Se não me engano.
Recebeu as
homenagens a que boa memória tem direito: tira um queijinho, essa eu
pago, também aprecia um rabo empinado?
Acabou convidado
pra uma seresta, armação do grande Paulo Amarelo.
Foi pra casa, tomou
banho, botou a roupa da missa. Não podia acreditar. O Amarelo era um
mito. Amigo do Amadeu, Tião da Garagem, Ceceu Rico, Hélio Barbeiro,
Beijo Louco...
Tentou ficar atrás
de uma goiabeira no quintal do pagode, mas foi saudado com grandes
berros de “chega pra cá e junta-te aos bons”. Quase chorou. Os
primeiros copos deram uma força. Acabou cantando aquela, “Dentro
d’alma dolorida trago um riso teu.A moça de olhos claros deixou
cair o lenço. Um coroa resmungou: “Esse grandão é dos meus”.
A noite era uma
criança e ele reinava. O baixinho do buteco pediu:
- Conta aquela
defesa do Barbosa !
A catástrofe. Em
plena ponte dos grandes braços pro canto esquerdo da meta, o safanão
na gaiola do curió. O passarinho morto. A consternação do dono da
casa.
Amadeu tacou-lhe um
generoso cacete nas costas:
- Fica assim não.
Isso acontece. Aí, minha gente, tristezas não pagam dívidas!
Passemos à próxima atração! A seguir, ouviremos “Chão de
Estrelas” na voz do nosso Arrasa-Curió.
O apelido. Para
sempre.
Aldir Blanc,
in Brasil passado a sujo
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