terça-feira, 31 de julho de 2018

"Que sujeito mais sem palavra!"

Assim que ele deu de cara com as setecentas lâminas da máquina da morte doidinhas pra torá-lo ao meio, as setecentas lâminas que ele mesmo tinha instalado, todas setecentas, Antônio deu um pulo pra cima, respeite o pulo de Antônio, e foi vento que as lâminas toraram somente.
E no que seus dois pés pisaram o chão novamente e o povo viu que ele estava ali, dos pés à cabeça, todo inteiro, foi aí que começou a vaia.
Repare mesmo que azar o de Antônio. O instante em que ele saiu colou com o instante em que ele chegou, sem nem uma brecha no meio. Quem olhava pra ele pensou que ele tinha estado o tempo todo ali, mas é claro, e o mundo inteiro duvidou que Antônio tinha ido ao futuro mesmo. Uns achavam até graça, pensando que era piada, outros tinham era raiva, pensando, que desaforo.
Pela primeira vez na história ninguém ganhou aposta, nem um lado, nem o outro, e por fim ficou tudo empatado. Perdeu quem apostou que Antônio iria ao futuro, perdeu também quem apostou na morte dele.

O que se comentava pelo mundo era que Antônio farrapou, “que sujeito mais sem palavra que não foi a futuro algum nem morreu morte nenhuma, tudo que fez foi dar um pulo pra cima, atração muito da besta inclusive, coisa que qualquer um teria feito com a maior facilidade”.
Em defesa própria, Antônio sustentou que foi ao futuro de fato, mas se atrapalhou um pouco no caminho da volta: por isso regressou no mesmo instante em que tinha partido, por pura infelicidade, e esse era o motivo dessa confusão toda.
Contou ainda o que tinha visto lá, na frente, em dois mil e pouco, dali a 25 anos, seis meses e 17 dias mais precisamente.
Quem já viu disso, menino?
Ainda mais num lugar sem futuro desses.
Agora ficou doido de vez.
Deixe de conversa.
Mas esse Antônio já inventa.
Fui, não foi, fui sim, não estou dizendo?”
O que ele dizia não valia era mais nada.
O mundo inteiro desprezou cada palavra de Antônio, que tristeza, o mundo inteiro se pôs a rir de Antônio, o mundo inteiro, menos Karina, obviamente.
Adriana Falcão, in A máquina

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