domingo, 29 de julho de 2018

As engrenagens da indústria

A economia moderna cresce graças à nossa confiança no futuro e à disposição dos capitalistas para reinvestir seus lucros na produção. Mas isso não é suficiente. O crescimento econômico também requer energia e matérias-primas, e essas são finitas. Quando e se acabarem, todo o sistema irá desmoronar.
No entanto, as evidências fornecidas pelo passado são que eles só são finitos em teoria. Contrariando as expectativas, embora o uso de energia e matérias-primas por parte da humanidade tenha crescido nos últimos séculos, a quantidade disponível para nossa exploração de fato aumentou. Sempre que a escassez de um ou de outro ameaçou desacelerar o crescimento econômico, choveram investimentos em pesquisa científica e em pesquisa tecnológica. Essas invariavelmente produziram não só maneiras mais eficazes de explorar os recursos existentes como também tipos completamente novos de energia e materiais.
Considere a indústria de veículos. Nos últimos 300 anos, a humanidade fabricou bilhões de veículos – de carroças e carrinhos de mão a trens, carros, jatos supersônicos e naves espaciais. Seria de se esperar que tal esforço imenso exaurisse as fontes de energia e as matérias-primas disponíveis para a produção de veículos e que hoje estivéssemos raspando o fundo do barril. Mas aconteceu o oposto. Enquanto, em 1700, a indústria de veículos global dependia quase exclusivamente de madeira e de ferro, hoje tem à sua disposição uma abundância de materiais recém-descobertos, como plástico, borracha, alumínio e titânio, nenhum dos quais nossos ancestrais sequer conheciam. Enquanto, em 1700, as carroças eram construídas principalmente por meio da força física de carpinteiros e ferreiros, hoje as máquinas nas fábricas da Toyota e da Boeing são alimentadas por motores de combustão de petróleo e usinas de energia nuclear. Uma revolução similar ocorreu em quase todos os outros setores da indústria. Podemos chamar isso de Revolução Industrial.
Durante milênios antes da Revolução Industrial, os humanos já sabiam como usar uma grande variedade de fontes de energia. Eles queimavam madeira a fim de derreter ferro, aquecer casas e assar bolos. Navios a vela usavam a energia eólica para se mover, e moinhos d’água capturavam o curso de rios para moer grãos. Mas todas essas opções tinham problemas e limites claros. Não havia árvores disponíveis em toda parte, o vento nem sempre soprava quando era necessário, e a força da água só era útil para quem morava perto de um rio.
Um problema ainda maior é que as pessoas não sabiam como converter um tipo de energia em outro. Elas podiam usar o movimento do vento e da água para mover navios e moinhos de pedra, mas não para aquecer água ou derreter ferro. Inversamente, elas não podiam usar a energia produzida pela queima de madeira para fazer um moinho de pedra se mover. Os humanos só tinham uma máquina capaz de realizar tais truques de conversão de energia: o corpo. No processo natural do metabolismo, o corpo dos humanos e de outros animais queima combustíveis orgânicos conhecidos como alimentos e converte a energia liberada em movimento muscular. Homens, mulheres e animais podiam consumir grãos e carne, queimar seus carboidratos e gorduras e usar a energia para puxar uma carroça ou um arado.
Uma vez que os corpos humano e animal eram o único dispositivo de conversão de energia disponível, a energia muscular era essencial para quase todas as atividades humanas. Músculos humanos construíam carroças e casas, músculos de bois aravam campos e músculos de cavalos transportavam alimentos. A energia que alimentava essas máquinas musculares orgânicas vinham de uma única fonte: as plantas. Essas, por sua vez, obtinham energia do Sol. No processo de fotossíntese, capturavam energia solar e armazenavam-na em compostos orgânicos. Quase tudo que as pessoas fizeram ao longo da história foi abastecido pela energia solar capturada pelas plantas e convertida em energia muscular.
Consequentemente, a história humana foi dominada por dois ciclos principais: os ciclos de crescimento das plantas e os ciclos alternados de energia solar (dia e noite, verão e inverno). Quando a luz do Sol era escassa e quando os campos de trigo continuavam verdes, os humanos tinham pouca energia. Os celeiros ficavam vazios, os cobradores de impostos ficavam ociosos, os soldados tinham dificuldade para se locomover e lutar, e os reis tendiam a manter a paz. Quando o Sol brilhava e o trigo amadurecia, os camponeses colhiam as sementes e enchiam os celeiros. Os cobradores de impostos corriam para garantir sua parte. Os soldados retesavam os músculos e afiavam as espadas. Os reis convocavam conselhos e planejavam as campanhas seguintes. Todos eram abastecidos pela energia solar – capturada e armazenada na forma de trigo, arroz e batata.
Yuval Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade

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