segunda-feira, 16 de julho de 2018

Andrade

Andrade 

A Europa nunca tinha visto um negro jogando futebol. Na Olimpíada de 24, o uruguaio José Leandro Andrade deslumbrou com suas jogadas de luxo. No meio de campo, este homenzarrão de corpo de borracha carregava a bola sem tocar o adversário, e quando se lançava ao ataque, contorcendo o corpo esparramava um mundo de gente. Numa das partidas, atravessou meio campo com a bola dominada na cabeça. O público o aclamava, a imprensa francesa chamava-o de A Maravilha Negra.
Quando o torneio terminou, Andrade ficou um tempo ancorado em Paris. Ali foi boêmio errante e rei de cabaré. As botas de verniz substituíram as alpargatas que tinha trazido de Montevidéu e um chapéu com aba ocupou o lugar do gorro velho. As crônicas da época saudavam a estampa daquele monarca das noites de Pigalle: o passo elástico e dançarino, o esgar gozador, os olhos entrecerrados que sempre olhavam de longe, e uma pinta de matar: lenço de seda, paletó listado, luvas amarelo-claras e bengala com empunhadura de prata.
Andrade morreu em Montevidéu, muitos anos depois. Os amigos tinham programado muitas festas em seu benefício, mas nenhuma chegou a ser realizada. Morreu tuberculoso, na mais completa miséria.
Foi negro, sul-americano e pobre, o primeiro ídolo internacional do futebol.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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