sexta-feira, 29 de junho de 2018

Conversa de casados

Ora, dá-se que o jovem casal completou trinta e seis anos de união, e eu resolvi entrevistá-lo. Quem sabe se os dois teriam alguma receita de felicidade? Levei um questionário indiscreto. Primeira pergunta:
Como é que vocês conseguiram passar tanto tempo juntos?
Os dois, a uma voz:
Não foi tanto assim. Um terço (doze anos), dormindo oito horas por dia.
Mesmo assim, meus caros!
Ela esclareceu:
Havia o trabalho dele, que nos separava durante a maior parte do dia.
E ela passou a maior parte da vida no cabeleireiro — completou ele.
Eu: — Cabeleireiro, trabalho e sono: será isso a vida em comum?
Não — disse ela sorrindo. — Há os intervalos.
De qualquer maneira, trinta e seis anos! É um latifúndio.
Ela: — Bem, brigamos o necessário. — Está satisfeito agora?
Eu: — Ainda não. Brigas feias, dessas de atrair vizinho?
Ele ponderou: — Como quer você que uma briga seja bonita? Brigamos como foi possível. Confesso que a iniciativa geralmente era minha. Ela, porém, provocava sempre.
Ele trazia os motivos da rua, às vezes bem visíveis — informou ela.
Outras vezes, os motivos vinham da cozinha — emendou ele. — O homem gosta de variar, pelo menos de sobremesa.
Mas depois das brigas… — insinuei.
Sim, era bom — admitiram ambos.
E cada um por sua vez:
Nos primeiros tempos, ele punha bilhetes debaixo do travesseiro, pedindo perdão. Tenho um arquivo.
Ela, de desgosto, jejuava. Gostando tanto de bife!
Ficaram recordando.
Ele mentia muito.
Ela me chamava de mentiroso justamente quando eu falava verdade.
Ele era impaciente.
Ela fazia de boba, me enervava.
Ele tinha ódio de me ver doente. Embora sentindo pena, e querendo ajudar, virava onça.
Eu também não podia adoecer, os cuidados dela eram excessivos. Doente precisa de paz.
Algum dia, no íntimo, você pensou em matar sua mulher? — arrisquei.
Mais ou menos. Quando ela comprou um tapete horroroso.
E você já pensou em envenenar seu marido?
Nunca. Mas tinha medo de que outra mulher o fizesse.
Vocês discutiam por causa de dinheiro?
Ele, satisfeito: — O dinheiro não dava para isso.
Ela: — Não posso me queixar. Ele nunca me negou nada.
Ele: — Ela teve a esperteza de nunca me pedir nada que eu não pudesse dar.
Que foi que preservou o lar de vocês, nos momentos difíceis?
Ela: — O tricô, que apura as virtudes femininas, e o hábito.
Ele: — A poltrona, o cãozinho, o hábito.
Eu: — Só isso?
Os dois: — E tudo mais.
Quanto tempo leva para um se acostumar ao outro?
Ele: — Uma semana. Mas durante os primeiros vinte anos, uma vez ou outra, a gente se estranha ao acordar. E isto salva da rotina.
Qual o papel dos filhos no casamento?
Ele: — Educar os pais. Poucos o conseguem.
Vocês se educaram?
Ele: — Não. Continuamos a achar nossa filha mais moça do que nós. A verdade é que, nascendo depois, ela sabe muito mais. Os pais são rebeldes ao ensino.
Ela: — Ele é sofisticado. No fundo, coruja como os outros.
Qual foi o presente de aniversário que ele deu a você?
Um colar de pérolas barrocas.
Ele: — Para me fazer lembrado. Ela diz que sou uma pérola — mas barroca, isto é, imperfeita.
Ela: — E eu dei a ele um barbeador elétrico. Para lembrar que marido não deve ficar com a barba crescida quando não sai de casa.
Vocês se casariam de novo?
Como resposta, beijaram-se. Não aprendi nenhum segredo, mas afinal o segredo de todos os casais antigos deve ser mesmo esse.
Carlos Drummond de Andrade, in 70 historinhas

Nenhum comentário:

Postar um comentário